A música que tenho escutado
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:
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Agora, então, a música que tenho escutado: horas e horas de Dire Straits e de discos da carreira solo do ex-líder do Dire Straits, Mark Knopfler. A banda eu amo incondicionalmente, sem subterfúgios ou reparações: é um dos grupos formativos da minha vida de viciado em música, inscrito para sempre no coração, independente das minhas fases, interesses ou estados de espírito. Também a banda teve fases, duas, para ser preciso, e amo-as igualmente: a fase — creio que seja mais fácil identificá-las desse modo — Sultans of Swing e a fase Money for Nothing, ou então, pode-se dizer de forma quase idêntica, a fase Lady Writer e a fase Walk of Life. Adoro tudo que a banda gravou, até mesmo o disco transição entre essas fases, o Love Over Gold, de 1982, de cuja existência muita gente já se esqueceu. Em relação aos discos solos de Knopfler, contudo, a coisa já não é tão assertiva. Não posso me dizer um fã ardoroso destes discos; digamos que eu seja um fã comedido, ou resignado, pois meu apreço pela música que Mark começou a lançar assim que decretou o fim do Dire Straits tem a ver diretamente com este fato, o fim de sua antiga banda: não havendo mais discos do Dire Straits, então estes seus discos solos teriam de servir, e, a princípio, isso foi um pouco difícil. A questão é que uma vez fã da voz e da guitarra de Knopfler, torna-se então impossível prescindir delas: há uma alquimia rara nessa combinação, inexplicável porque talvez seja dessas coisas irracionais de fã que ninguém mais vê, talvez porque de fato não tenha nada de especial que se possa realçar além das idiossincrasias típicas de um artista de expressão bastante honesta e particular. Possivelmente um pouco das duas coisas. Esta sua discografia solo não têm o caráter marcante daquela deixada pela sua antiga banda, mas não deixa de ser seu desdobramento: Knopfler, afinal, começou a descartar a gordura que se havia acumulado na música do Dire Straits fase Money for Nothing e retornou ao som mais básico dos seus três primeiros álbuns, recolocando no centro de suas gravações a voz e a guitarra meio blues, ambas bastante despojadas e espontâneas, que eram as marcas iniciais e especiais do Dire Straits. Não, porém, recriando tudo igual àquele início de carreira: a mudança fundamental é que o guitarrista (nascido em Glasgow mas criado na Inglaterra) assumiu de vez uma persona musical bastante americana, impregnando sua música de influências vindas dos EUA (ainda mais explícitas do que na época do Dire Straits) e fazendo múltiplas referências, em suas letras e até mesmo nas capas e nos títulos dos discos, às cidades e à cultura do outro lado do Atlântico, por quem em algum momento de sua vida de pop star itinerante ele deve ter se apaixonado. Bastante compreensível: deve ser realmente um choque passar a vida no Reino Unido, em suas cidades cinzentas de péssimo clima e juventudes turbulentas que me parecem beber em quantidades excessivas, e um dia conhecer, digamos, a bela e ensolarada Califórnia... Até mesmo um disco em parceria com Emmylou Harris e shows com Bob Dylan apareceram pelo caminho de Knopfler, de modo que sua carreira pós-Dire Straits não tornou-se um retorno completo às origens britânicas — ao pub rock, já ouvi dizerem — daquela banda. A boa notícia, que foi nos chegando gradualmente, a cada novo trabalho lançado (e que hoje já somam bem mais discos de estúdio do que os lançados com o Dire Straits), é que neles encontramos doses generosas de pelo menos uma parte daquilo que tínhamos naquele começo, a voz e a guitarra tão singulares de Mark Knopfler, agora norte-americanizadas ou não, um cantor country moderno que nasceu no continente errado ou um britânico descansado e sem raízes, tanto faz: mesmo que a grande maioria destes álbuns passe em brancas nuvens, sem canções memoráveis ou refrões inesquecíveis, sem coisa alguma que fique gravada permanentemente no córtex como ficavam os discos do Dire Straits, ainda assim me vejo compelido a gostar deles, pois eles sempre me remetem a algo familiar, suavemente tranquilizante, uma boa companhia para trabalhar e passar o dia, que não se impõe demais no caminho e tampouco passa desapercebida, tampouco é completamente neutra, nem que seja pelo fato trivial de ser a antiga voz do bom e velho Dire Straits. Uma música, enfim, na medida certa, nas proporções perfeitas, que tem me feito bastante bem nestes tempos tão angustiantes.
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