Discos do mês - Março de 2019
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Texto:
Philip Glass & Ravi Shankar - Passages
"Música que quando você escuta você reconhece imediatamente seu autor” é um elogio (se como elogio a frase tiver sido proferida) bastante relativo, me parece, e é sempre o primeiro pensamento que me vêm à mente quando escuto algo do Philip Glass. Eu gosto muito — muitíssimo, diga-se a verdade — de Glassworks, e também de Passages, o disco gravado com Ravi Shankar, mas é só. De resto, tenho a impressão de que são sempre as mesmas (não muitas) idéias, variações sem fim de um certo mecanismo que, pelo menos para mim, esgotou seu atrativo já faz algum tempo. Acho que já disse isso antes: dessa geração de compositores americanos chamados minimalistas, do famoso trio Glass, Steve Reich e Terry Riley, eu gosto moderadamente dos dois primeiros — justamente os mais famosos e prestigiados — e muito mais de Riley, que não goza do mesmo status dos outros dois. (Nessa turma costuma-se frequentemente incluir o John Cage, mas dele eu conheço muito pouco, lacuna a ser corrigida em breve.) De todo modo, na longa obra de Glass há pelo menos esses dois trabalhos memoráveis citados acima. Há um texto meu sobre o Glassworks perdido em algum lugar por aqui; lembro que incluí nele uma comparação meio delirante entre o disco e certo cenário de um filme antigo do Superman com o Christopher Reeve, uma bobagem, evidentemente, mas confesso que tal conexão ainda hoje me ocorre sempre que escuto as belíssimas músicas daquele CD. E a primeira faixa de Passages me desperta sensações parecidas: a composição é de Ravi Shankar mas os arranjos são de Glass, que dá à música um cunho bastante seu (bastante glassian, talvez já seja costume dizer, tal sua influência na música contemporânea norte-americana), cerca de dez minutos do que de mais bonito a música clássica de nossos dias já criou — as límpidas (e reconhecíveis) repetições, hipnóticas e terapêuticas, o clima levemente extraterreno pelo qual é muito difícil não se deixar envolver e conduzir, seu andamento indo e vindo entre o reflexivo e alguns enigmas estimulantes — uma abertura, enfim, extraordinária, na linhagem de Façades do Glassworks. Depois, ao longo do álbum, Glass e os sons dos instrumentos indianos de Shankar se misturam em boas medidas, coros, sitares, violinos e tablas conversando numa linguagem sem fronteiras, sem nacionalidades, um idioma utópico e muito bonito que nos permite entrever o quão aberto e fraterno este nosso mundo poderia ser se não fôssemos tão estúpidos.
Smashing Pumpkins - Shiny and Oh So Bright, Vol. 1 / LP: No Past. No Future. No Sun.
Um desastre, um vexame total esse último álbum do Smashing Pumpkins. A coisa é tão ruim que ameaça até mesmo contaminar os bons e velhos discos da banda — sim, periga voltar no tempo e alterar nossas percepções sobre alguns dos capítulos mais especiais de nossas adolescências. Temo que tal coisa já esteja me acontecendo: dia desses fiquei com vontade de ouvir o Siamese Dream, mas antes que pudesse dar play no disco, comecei a cogitar se valia mesmo a pena, afinal, trata-se mais ou menos da mesma banda que gravou este negócio de nome mega pedante que eu havia escutado uns dois ou três dias atrás. Quero dizer: de lá eles chegaram até aqui; aquilo redundou nisso. Seria possível escutar Rocket e Geek U.S.A. sem ficar o tempo todo lamentando as canções que prefiro nem saber os nomes deste novo álbum? Fiquei meio confuso e no fim das contas desisti, coloquei alguma outra coisa para tocar. É melhor ficar longe de Shiny and Oh So Bright, Vol. 1 / LP: No Past. No Future. No Sun.. Aí está, ao contrário de uma outra banda sobre a qual venho enchendo demasiadamente o saco de todo mundo, aí está uma banda que não faz mais sentido algum continuar existindo. O Smashing Pumpkins já tem uma história pesada demais para que possa continuar operando com alguma naturalidade, uma carga psicológica carregada demais de idas e vindas, brigas e conciliações, discos maravilhosos e discos horrorosos, projetos começados e abandonados, line-ups montados e desmontados, tudo isso uma, duas, sei lá quantas vezes, de modo que a impressão que tenho da banda, hoje, é menos uma banda e mais uma espécie de engodo, uma questão de conveniências, de farsas, de contratos assinados. Na maior das boas vontades, um emprego decadente para algumas pessoas que não conseguiram achar seus caminhos depois de terem demitido-se quase 20 anos atrás. E perdida em algum lugar ao fundo de fotos e entrevistas bizarras, de doses imensas de cinismo e presunção, uma música sem graça e sem alma, um pastiche pra lá de lamentável.
Patricia Kopatchinskaja, Teodor Currentzis & Musicaeterna - Tchaikovsky: Violin Concerto / Stravinsky: Les Noces
Vou arriscar minhas fichas e dizer que esta é a minha interpretação favorita do grande concerto para violino de Tchaikovsky. Patricia Kopatchinskaja é, também, dividindo o posto com Isabelle Faust, minha violinista favorita; sei que entre os veteranos existe uma tara invencível pela Anne–Sophie Mutter, certamente não sem motivos, mas para mim Patricia e Isabelle vêm primeiro. O Tchaikovsky de Patricia soa incrivelmente vivo, pulsante, embalado num sabor meio cigano que por vezes — preste atenção ao final do primeiro movimento, ou tente não prestar atenção — por vezes parece atingir um ritmo tresloucado prestes a escapar da partitura, e talvez escape mesmo, não sei. Do ponto de vista mais conservador que é o predominante no mundo da música clássica, talvez a versão da moldoviana Kopatchinskaja soe um tanto ousada e vertiginosa demais; do meu ponto de vista amador e liberal, soa uma maravilha.
Angela Hewitt - Bach: The Well-Tempered Clavier
Dos usos utilitários da música: preencher o imposto de renda é das coisas mais aborrecidas que existem, mas se você tem a companhia de Bach e Angela Hewitt, o sofrimento quase que desaparece. As 48 peças dos dois livros de O Cravo Bem Temperado do velho Johann Sebastian somam mais de quatro horas de música: deu de preencher o IR, fazer uma faxina, lavar a louça, e ainda sobrou tempo para responder um ou dois e-mails de trabalho. Nada mal para uma manhã de sábado em que era impossível sair de casa devido à chuva e ao frio.
Comentários:
Sobre o Pumpkins: era impossível não criar certa expectativa para esse disco, mesmo com todos os altos e baixos dos últimos tempos. Eu ouvi o single e achei decepcionante, mas depois de ouvir o álbum essa Solara até pareceu uma boa escolha. Mas ok, acho que não chegaria a chamar de um vexame, mas ficou bem abaixo mesmo.
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