Chinese Democracy e o estado das coisas
Fabricio C. Boppré |Texto:
Que coisa esquisita. Sempre achei que a minha impressão quanto ao Chinese Democracy --- sendo complacente: um erro, um tremendo e constrangedor equívoco --- era uma unanimidade. Sempre achei que o Guns e o século XXI conviverem era algo em total e claríssima contradição com as leis que regem nosso universo. Ou que um disco do Guns --- particularmente do Guns N' Roses --- lançado em 2008, é algo que tem tanta chance de dar certo quanto um clipe onde um cantor tem uma namorada e um amigo com uma cartola e ele casa com a namorada e o amigo com a cartola deixa a capelinha para tocar guitarra e no almoço do casamento cai uma tempestade e a esposa morre e o cantor fica chorando sobre o túmulo da falecida e isso tudo passar no Fantástico.
E sempre achei que todos prontamente concordavam com isso.
Mas agora, lendo as resenhas dos shows do Guns no Brasil, vejo muita gente elogiando esse monstrengo desse disco. E é gente que deve ter o vinil do Appetite For Destruction há mais de duas décadas em casa, e não meros fãs de ocasião. Na verdade, eu pensava que até para um fã de ocasião seria difícil alguma afeição a Chinese Democracy. Na verdade mesmo, o Guns não deve ter fã de ocasião.
Como pode? Gostar do show é absolutamente legítimo, um show envolve muita coisa, mesmo que para apreciá-lo tenhamos que adentrar no maior estado de suspensão de descrença possível (para um show do Guns, acho que eu precisaria de um Delorean --- maldade invejosa minha, eu iria sim, se eles tivessem passado em minha cidade).
Agora, o Chinese Democracy, vocês têm certeza? Serão manifestações de pessoas impressionáveis demais? Pode ser, esse fenômeno já aconteceu comigo, passar a dar mais valor a um ou outro disco após um show... Mas o Chinese Democracy? Custo a crer. Talvez alguma espécie de saudosismo cegante? É uma boa hipótese. Ou uma expectativa tão longamente estendida que acabou afetando a capacidade de discernimento do populacho fã da banda de hair metal mais apreciável de todas? Não, nunca ouvi falar de um trauma emocional desse tipo. Ou talvez eu, distraidamente, escutei o disco errado, um disco esse sim muito ruim (algo do Sebastian Bach, talvez) e o Chinese Democracy verdadeiro, que eu não ouvi, tenha de fato algum mérito. Não, não pode ser. Era a voz do Axl Rose, inconfundível, e lembro bem de ter reparado que todos os vários anos que o álbum levou para ser lançado estavam lá, entulhados nas músicas. Era o Chinese Democracy, sem dúvida, e ouvi-lo de novo para tentar elucidar esse mistério é uma idéia que nesse momento me dá dor de cabeça --- e olha que eu guardei as MP3s aqui, porque não deixa de ser uma obra peculiar, um pequeno tratado sobre a decadência, sobre a dessincronia, sobre os excessos --- em resumo, um bom lembrete sobre como as coisas podem dar muito errado. Ok, isso foi outra maldade. Quero dizer, o disco é medonho, mas eu guardei mesmo assim para ter completa a discografia de uma das primeiras bandas que adotei na vida, e também para ser utilizado como um estimulante, um potencializador da vontade, quando ela surge --- e ela surge frequentemente, saudoso que sou da infância e dos anos 80 ---, de ouvir o destruidor Appetite For Destruction, ou mesmo os Use Your Illusion.
Ah, tem outra possibilidade, claro. Era tudo ironia, e eu não percebi. Vou ficar com essa hipótese e fingir que vai tudo bem no mundo dos homens.
Comentários:
Cara, só consegui ouvir esse disco inteiro uma vez. É ruim com força.
Não escutei o C.D. pelos mesmos motivos que apontasses, Fabricio, além do fato de que realmente não me interessei pelo lançamento. Mas acho que o GNR (qualquer que seja a fase) atende bem às expectativas de quem escuta música eventualmente, afinal de contas, talvez tenham sido a última GRANDE banda de rock de arena (o Nirvana não foi isso e o U2 chegou antes). A real é que NOSSA visão sobre música é distorcida, paralela ao senso comum. Ontem mesmo um amigo de infância me disse que não acreditava que eu comprava vinis. E pensando brevemente, é uma prática difícil de justificar em pleno 2010 (nem tentei, na ocasião). Portanto, há um legado muito forte deixado por algumas bandas de seja qual década for, legado que atingiu muita gente diretamente (os fãs e semi-fãs da época) e indiretamente (seus filhos, amigos dos filhos). E esse legado é forte o suficiente para justificar a roupa do imperador que o Axl Rose vem usando na última década.
Simples: histeria coletiva! hehehe Lembremos do Guns apenas como o riff destruidor de Sweet Child O'mine!
Na época eu não dei bola pro Guns, hj eu acho massa. Lembro que quando eu assiti o Lutador fiquei com uma puta vontade de escutar os caras entre uma cerveja ou outra. Quanto ao Chinese prefiro o Contraband.
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