O Metallica e eu
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:
Crédito(s): foto de Fin Costello, copiada daqui.
Texto:
Andei bastante ocupado nos últimos dias com uma atenta investigação psicanalítica acerca de minha relação com o Metallica. Porque ela não é nada simples, do tipo “gosto”, “não gosto”, nem mesmo “gosto apesar de…” ou “desgosto embora… ”, e eu gostaria de resolver isso, gostaria de enfim decidir se compro ou não compro uma camiseta da banda. Decidi não comprar, mas vou deixar aqui registradas algumas das anotações produzidas por estas sessões de auto-análise. Em primeiro lugar, das razões ancestrais para minha teima com a banda, talvez a mais determinante seja o próprio nome da banda, uma bobagem que sempre me irritou. Um grupo nomear a si próprio com uma palavra inventada a partir de uma brincadeira com o gênero de música que toca sempre me pareceu uma coisa que antecede a infantilidade, algo que eu esperaria da Xuxa ou da Vovó Malfada. Se fossem uma banda com o propósito manifesto de celebrar tal gênero, um projeto fundado sobre o revisionismo ou algo do tipo, eu até poderia entender, mas que nada; sequer da fantasia de escolher um nome do tipo “Black Sabbath” ou “Iron Maiden”, algo retirado de um catálogo de filmes de terror ou de alguma medievalidade qualquer, sequer disso foram capazes. Mas até aí, tudo bem; de mal gosto para escolher um nome o Metallica certamente não é a única banda que deve ser acusada. Levantei então outros motivos que citarei a seguir não sem antes avisar o leitor de que não ignoro a obviedade de que, em sua maioria, eles têm mais a ver com minhas próprias idiossincrasia projetadas na banda do que qualquer outra coisa: uma foto vista há muito tempo com os quatro sujeitos cheios de spaghetti e molho de tomate espalhado pelas caras, escorrendo pelas mãos, pendurado dentro dos narizes, uma nojeira; o som tosco, seco, grosseiro dos primeiros discos (que hoje em dia gosto bastante, mas antes me causava repulsa); o fato de James Hetfield, que considero um cantor excepcional, ser fã de armas e caçadas (aqui abro o parênteses para estender um pouco a análise: embora cada vez menos, eu ainda como carne, ou seja, sou parte da demanda que sustenta a gigantesca e cruel indústria de abate de animais; o que me incomoda nos caçadores, no entanto, é a alegria e a soberba que fazem questão de demonstrar nas fotos que costumam tirar com os cadáveres dos animais que abatem, como se tais fotos retratassem os briosos vencedores de uma luta muito justa e muito igual, os caçadores com suas armas de fogo e os animais com seus alheamentos de seres distraídos em seus ambientes naturais; há fotos de Hetfield sorridente sobre enormes ursos e veados mortos, posando orgulhoso de sua covardia, ostentando um sorriso bocó de adulto mal-desenvolvido, completamente desligado do fato — divertindo-se com isso, até — de que acabara de inflingir dor e interromper uma vida, de decidir arbitrariamente pelo encerramento de uma existência antes de seu tempo; eles bem que podiam, em suma, Hetfield e o restante da banda, podiam parar totalmente de posar para fotos de qualquer espécie); os próprios fãs obtusos do Metallica, incapazes em sua maioria de reconhecer quão bom é o disco Load (mas cujo encarte reforça minha sugestão de que a banda deveria evitar retratos), e até mesmo com o disco da capa preta muitos destes cabeças-ocas implicaram na época de seu lançamento, tudo porque a banda ousou elaborar um pouco mais sua música, dar-lhe um pouco de lustro, de sutileza… São estas, creio, as razões fundamentais para a minha birra com a banda, uma porção de bobagens e talvez hipocrisias, mas para isso mesmo é que serve a psicanálise, para mostrar o quão bobos e hipócritas somos nós, se tivermos a humildade de reconhecer. A música da banda, que está à margem da maioria das questões elencadas acima, essa só fez crescer em mim ao longo dos anos, até mesmo a música dos discos mais antigos que tanto desgostei quando escutei-os pela primeira vez lá pelos meus 11 ou 12 anos. A sensação de ser esmurrado que o Master of Puppets proporcionava foi sendo atenuada à medida que fui me tornando fã de death metal, mas este continua sendo um álbum colossal. Será ele o melhor da banda? Ou será seu antecessor? Nenhum disco que tenha faixas como Fade to Black, For Whom the Bell Tolls e Creeping Death, como as tem o Ride the Lightning, poderá jamais deixar de ser incluído entre os melhores da história da música pesada, ou mesmo da música baseada em guitarras, ou mesmo da música elétrica. E há ainda o disco da capa preta, popularmente chamado The Black Album, que há de ser um destes raros que sobreviverá ao tempo, ou pelo menos a uma enorme porção de tempo. Tudo isso pesado, considerado e analisado, resolvi assim minha longa cisma com o Metallica: reconheço de uma vez por todas que gosto da música da banda, gosto bastante de todos os discos deles que conheço — o que já deveria estar claro há muito tempo, haja visto que tenho-os todos — mas não, você não vai me ver vestindo uma camiseta deles, apesar daquelas desenhadas por Pushead serem tão, tão bonitas.
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