Dying Days
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Discos do mês - Novembro de 2023

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Novembro de 2023

Crédito(s): copiada daqui.

Blonde Redhead - Sit Down For Dinner

Mas que disco bonito este novo do Blonde Redhead. Há um ar de contemplação e de experiência muito envolventes, um tom que parece decrescido de algo urgente anterior, urgência que se esvaziou e transmutou-se em outra coisa, mas ainda cheia de pathos e de alma. É o tipo de música que os ouvidos mais calejados compreendem imediatamente ser fruto da trajetória de verdadeiros artistas, o oposto daquela mais corriqueira, que se apresenta sem constrangimentos como produto premeditado e fabricado para fins comerciais (seja lá quais forem as medidas disso hoje em dia; YouTube? Spotify?; cliques em redes sociais?; ando meio por fora). Eu, embora muito já tenho ouvido falar desta banda, não conheço praticamente nada deles, mas a partir unicamente deste disco tenho a sensação de que poderia talvez deduzir toda a sua história, tal a riqueza de impressões que ele me transmite. Poderia tentar, mas não o farei; escutarei aos outros álbuns, coisa que deveria ter feito já há muito tempo.

Paysage D’Hiver - Die Festung

Certa vez li em algum lugar que o camarada do Paysage D’Hiver, sempre que tem um disco novo para lançar, convida as amizades mais chegadas para uma festa em uma cabana localizada em algum lugar remoto e gelado onde, aquecidos pelo fogo de uma lareira, todos ganham uma versão em vinil do novo álbum e escutam às novas músicas enquanto bebem cerveja artesanal preparada especialmente para a ocasião. Será? Parece-me uma história boa demais para ser verdade, ou, no mínimo, a versão aumentada de uma história mais simples, após o relato ter passado de boca para boca (ou de site para site) inúmeras vezes, cada conto aumentando um ponto. Talvez eu mesmo tenha acabado de acrescentar um ou dois. Seja como for — mesmo que o camarada apenas reúna alguns amigos e compre cerveja na esquina mesmo — tenho certeza que o evento é bem mais divertido do que isto. Arte feita para espíritos afins, e não para multidões… Faz bem mais sentido para mim. A música do Paysage D’Hiver eu acho que já descrevi por aqui: black metal do tipo mais áspero e ofensivo aos sentidos; as guitarras fazem um zumbido dos infernos, a bateria está no limite da compreensão humana; tudo, na verdade, soa extremo e absurdo, como se fosse um exercício de resistência, de obstinação diante de uma tortura. E, no entanto, no fim das contas, a música não soa meramente a soma (que seria, presumivelmente, repulsiva) destas partes; uma mágica opera-se nesta equação, uma alquimia transforma o caos em algo novo e diferente. Apenas ouvindo para entender. É por isso que volto frequentemente ao black metal, não obstante o asco que me causam as tantas bandas abertamente racistas e nacionalistas que infestam o gênero: volto porque outras tantas dominam certos truques que não escuto em nenhum outro quadrante do reino da música.

Nasum - Human 2.0

Não sei bem o motivo, mas ultimamente tenho gostado bastante de submeter meus ouvidos a massacres sonoros ainda maiores do que os de costume. Culminou que, à minha dieta metalêra habitual, andei acrescentando algumas bandas de grindcore e afins. Posso especular: sendo a música (como todas as outras artes) também uma forma de darmos vazão e experienciar coisas que na vida real a moral e os bons costumes nos inibem de fazer, então, considerando que minha vida pessoal tornou-se algo que beira o caos, também minha música deve subir um patamar, para que nela eu possa experimentar algo diferente, algo mais intenso do que aquilo que normalizou-se em meu dia-a-dia. Restou-me, portanto, recorrer a bandas cuja música brutal, antes, com uma ou outra rara exceção, me repelia. É de Nasum que estamos falando, minha gente, mestres absolutos na arte da violência sônica, mas não completamente destituídos de um filete de sensibilidade melódica. Mestres que pouca coisa mais, além de seus discos, poderia distinguir melhor sua biografia — o frontman ter morrido em um tsunami, talvez? Em geral, depois de uma sessão de flagelação com um disco como este Human 2.0, sinto-me um pouco mais preparado e cascudo para continuar enfrentando a batalha.

Gel - Only Constant

Mas tem o seguinte: quando à frente da banda há uma voz masculina, como ainda é a maioria absoluta dos casos, essas bandas de hardcore, grindcore e outros cores tendem inevitavelmente ao físico e ao estético, até porque não se entende nada do que os caras berram. Quando, por outro lado, a voz é feminina, a coisa costuma ganhar um ar político legítimo e visceral. Porque elas (ou quaisquer que sejam as identidades não-masculinas) têm, evidentemente, muito mais do que reclamar, muito mais motivos para estarem fulas da vida e ansiosas por conflito e revolução. Homens em geral estão nessa por conta do expurgo físico, do suor, das rodas de pogo; elas, porque é arte radical contra o inimigo que denunciam e que querem derrubar. Ou seja, fica ainda melhor. Este disco do Gel está na minha primeira lista de melhores de 2023; este do Rid of Me também.

Tim Hecker - Ravedeath, 1972

E nos intervalos da pancadaria volto frequentemente ao feiticeiro Tim Hecker. Dia desses, ouvindo este Ravedeath, 1972 e tentando entender o fascínio desta música, me ocorreu o seguinte: eu adoro os sons do Aphex Twin, do Autechre, do Burial, entre outros. A música destes, porém, não esconde o que ela é: música feita por seres humanos manipulando computadores. Elas vão ao limite, a ponto mesmo de soarem, às vezes, sobre-humanas — ao menos para nós neste nosso atual momento histórico; talvez dentro de algumas décadas, para as gerações que desconhecerão o que é andar descalço sobre a grama, elas venham a soar muito vulgarmente humanas… Mas eu dizia, podem até soar sobre-humanas, às vezes, mas não chegam a nos iludir completamente: sua origem é mesmo este mundo e esta tecnologia que reconhecemos, é inequivocamente obra de homo sapiens, um pouco mais ousados, talvez, apenas isto. A música de Hecker, por outro lado, parece coisa de outra ordem. É como se fosse um deslocamento. Imagine que nosso mundo e nosso universo fossem diferentes; imagine que as forças exercidas por prótons e elétrons, desde lá o começo imediatamente após o Big Bang, fossem sutilmente superiores ou inferiores, o suficiente para que, bilhão de anos após bilhão de anos, a natureza tivesse evoluído por um outro caminho e redundado em outros seres, outros astros, outros elementos. É isso: em uma outra ordem natural, ao mesmo tempo plausível e radicalmente diferente, os sons que ordinariamente escutariam os seres vivos, ao invés do vento, dos carros e dos passarinhos, talvez fossem algo parecido com a música de Hecker. Um registro sonoro diferente causado pelos fenômenos outros de uma outra natureza.

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