Dying Days
Seu browser está com uso de JavaScript desativado. Algumas opções de navegação neste site não irão funcionar por conta disso.

Discos do mês - Novembro de 2022

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Novembro de 2022

Crédito(s): Praia dos Açores (Florianópolis), foto de Fabricio C. Boppré em novembro de 2022.

André Previn & London Symphony Orchestra - Britten: Four Sea Interludes & Passacaglia from "Peter Grimes" / Sinfonia da Requiem

No mês passando, quando fiz aquela brincadeira sobre não saber outra coisa a respeito de meu compositor favorito além do fato de seu sobrenome começar com a letra B, eu aludia à minha indecisão entre Bach, Brahms, Beethoven e Bártok. Não sei se gosto do inglês Benjamin Britten a ponto de ele manter verdadeira esta proposição — creio preferir Mahler, Schubert e Ligeti à Britten — mas, olha, é por pouco. A primeira coisa a ser comentada sobre este disco, inescapavelmente, é sua belíssima capa (que lembra tanto esta), mas a música guardada sob a imagem é ainda mais bonita. Os Four Sea Interludes — que fazem parte da ópera Peter Grimes, mas costumam ser também gravados e apresentados de forma autônoma — são lindos demais, e se transformaram, neste último mês, em um dos símbolos das minhas esperanças de que as coisas podem enfim vir a melhorar um pouco neste nosso tão maltratado país. Além disso, enquanto ouvia ao disco pela segunda vez, vislumbrei a possibilidade de voltar a frequentar a praia neste próximo verão, e combinei comigo mesmo que, assim que o fizesse, o primeiro álbum que eu escutaria quando enfim me encontrasse novamente sentado diante do mar, no fim da tarde, seria este. Não ponho os pés na água salgada desde o início da pandemia. Estou ciente de que, tomando as devidas precauções, é relativamente seguro circular por aí já faz bastante tempo, porém certo clima social odiento, repulsivo, vinha me mantendo restrito a um circuito que dificilmente me conduzia para longe de casa… Bem, o Brasil ainda está repleto de problemas, infestado de delinquentes e fascistas por todos os lados, mas sinto-me um pouco mais leve, mais esperançoso e corajoso. Acredito que ainda antes do fim de 2022 escutarei, enfim, aos Four Sea Interludes de Britten enquanto observo aos últimos raios de sol do dia rebrilhando sobre o mar, e a alegria desta perspectiva é algo que eu não tenho sequer como tentar expressar. 1

Horsegirl - Versions of Modern Performance

Suspeito que nenhuma ou quase nenhuma das emoções humanas deixou de tomar parte no meu mês de novembro. Comprimido nestas quatro semanas aconteceu-me o tanto que deve acontecer normalmente ao longo de pelo menos uns cinco anos na vida de um ser humano médio. São tempos alucinantes e também difíceis, mas também tempos em que frequentemente me sinto mais vivo do que em qualquer outro momento de minha vida. A música que vou ouvindo é sempre um reflexo do meu estado de espírito, e por conseguinte escutei em novembro a um espectro de música extremamente diversificado, do black metal à MPB, do jazz ao punk rock. Enquanto tento recolher algumas lembranças musicais desses cinco anos em 30 dias, ao passo que a música clássica me descansou em alguns momentos de estafa extrema, percebo que muitos outros foram animados e acelerados principalmente por aquilo que a essa altura creio já podermos chamar de "rock noventista" sem que alguém fique perdido sem entender do que se trata. Ouvi muito Pearl Jam, L7 e Unwound, mas também algumas bandas novas, quero dizer, bandas jovens que resgatam o som do fim do milênio passado. Destas, a Horsegirl é a que tem mais chances de permanecer comigo e sobreviver à condição de trilha sonora efêmera de uma única estação. Acho que Versions of Modern Performance estará na minha lista de discos favoritos de 2022; a ver. Só não me perguntem o que leva três meninas que provavelmente ainda não eram nascidas quando Kurt Cobain puxou o gatilho a recuperar o som daquela época: acredito na genuína e sincera afeição delas por toda aquela música e em particular pelo Sonic Youth, porém os ardis das engrenagens da indústria do entretenimento — a exploração até a última gota das ideias bem-sucedidas e das nostalgias — não podem ser descartados. Pode também muito bem ser um conveniente casamento das duas coisas. Vejamos o fôlego das garotas. Eu apostaria nelas.

Midnight Oil - Resist

Eu sabia, muito antes de tê-lo em mãos, que este disco seria ótimo. Era uma certeza da mesma ordem da fé religiosa; meus heróis não falhariam. E Resist, no fim das contas, é ainda melhor do que a fé me afiançava com tanta antecedência. A faixa de abertura, Rising Seas, deixa isso claro desde o início: o refrão, o jingle-jangle das guitarras que lembram Dreamworld, frases como "every child, put down your toys and come inside to sleep, we have to look you in the eye and say, we sold you cheap” — é tudo perfeito e emocionante para o fã do Midnight Oil. Os momentos finais da última faixa, Last Frontier, cantado a plenos pulmões por um bocado de gente — excitante e pungente como Now or Never Land no fim de Earth and Sun and Moon — é igualmente arrepiante. Quase não dá de ficar triste com o fato de que este será, provavelmente, o último álbum da banda. Quase.

1: Essas linhas foram escritas no começo de novembro, e logo depois ocorreu-me de estar, enfim, na praia, diante do mar. Aqueles, contudo, eram dias bastante conturbados, e acabei me esquecendo de colocar este disco com as peças de Britten em meu tocador de música portátil, e portanto não foi desta vez que escutei aos Four Sea Interludes sentado na areia enquanto assisto ao declínio do dia, o início da noite, o sumiço do mar. Mas tudo bem. Mesmo sem a música foi lindo, lindo e emocionante. Bem pouca música, na verdade, soa melhor do que o som da rebentação, da brisa, dos pássaros, o murmúrio da natureza entrando em sossego noturno, e certamente música alguma soa melhor do que a voz daquela que estava lá comigo.

Comentários:

Não há nenhum comentário.

(Não é mais possível adicionar comentários neste post.)