Discos do mês - Junho de 2024
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:
Crédito(s): arte da capa do álbum Left Hand Path do Entombed, de autoria de Dan Seagrave e copiada daqui.
Texto:
Carcass - Heartwork
Não sei se dá de dizer que Heartwork, lançado em 1993, fez o death metal mudar de nível ou algo assim. O gênero continua orgulhosamente longe do mainstream musical, continua soando repulsivo para a grande maioria das pessoas, mas talvez possamos dizer que os fãs deste tipo de música — que, antes, costumavam ser facilmente identificados pelas camisetas escatológicas do Cannibal Corpse — em algum momento deixaram de ser vistos como gente pervertida, quiçá perigosa, e esse momento talvez coincida com o lançamento e disseminação da obra-prima do Carcass. Necroticism: Descanting the Insalubrious já apontava nesta direção, mas Heartwork toma uma banho extra de desinfetante e dá o passo decisivo. A produção cristalina que acentua os dentes afiados e arreganhados das guitarras; o senso melódico apurado e não asfixiado pelo negrume da atmosfera, que torna o disco atraente até mesmo para quem costuma consumir unicamente formas inofensivas de metal; riffs memoráveis, um atrás do outro... Tudo isso faz de Heartwork um clássico incontornável, que transita fácil entre praticamente qualquer tribo metaleira. Ok. Feita essa introdução com cara de resenha jornalística (às vezes sinto uma vontade bizarra de escrever coisas desse tipo), no que tange à minha relação pessoal com o álbum, é impressionante como ele sempre dá um jeito de se alojar por vários dias em meu cérebro após uma audição casual qualquer, exigindo mais e mais audições. This Mortal Coil e seu galope à moda Maiden, por exemplo, se eu não estou ouvindo alguma outra banda ou dormindo, fica tocando insistentemente no segundo plano da minha mente enquanto faço o que estiver fazendo (talvez até mesmo dormindo). A propósito: será que já existiu alguma música que, não sendo do Iron Maiden mas tendo aquele galope típico do Maiden, já tenha sido descrita sem menção ao Iron Maiden? É obrigatório isso?
Entombed - Clandestine
Não bastasse ter dado ao mundo o Europe e o Roxette, a Suécia nos deu também o Entombed. Também esta formidável banda, a exemplo do Carcass, desvendou à base de facadas e machadadas novos terrenos no mundo da música extrema, contribuindo assim para tornar a vida um pouco mais receptível e agradável para incontáveis nerds e desajustados ao redor do mundo. Não se deve desprezar a importante função agregadora e social do metal! Mas o Entombed veio antes do Carcass; sua contribuição não foi simplesmente esmerar a sonoridade e expandir fronteiras, e sim, nada mais nada menos do que inventar quase que a coisa toda, principalmente as técnicas de gravação das guitarras, o tão distintivo timbre denso e opressivo, copiado hoje em dia por nove de cada dez bandas do gênero. Eles criaram o death metal, ou pelo menos o "swedish death metal" — a melhor variedade de todas, em todos os casos. Eu não sei dizer qual dos dois primeiros discos do Entombed, Left Hand Path ou Clandestine, é o melhor. São ambos triunfos da técnica e da concepção visionária. Como tenho em CD apenas este segundo, é o que tenho escutado com mais frequência. É violento, é brutal, é sublime.
Tribulation - Down Below
Ora essa, ainda não satisfeitos com o Roxette, o Europe e o Entombed, mais recentemente a Suécia deu ao mundo o Tribulation. Essa banda é especial. Seu primeiro disco, The Horror, está em consonância com os álbuns dos dois titãs citados acima: música vinda do mundo subterrâneo retratado no alto deste post. Então algum bicho mordeu estes suecos, algum veneno muito antigo e muito exótico passou a circular por suas correntes sanguíneas, e já a partir do segundo álbum o som do Tribulation começou a transmutar-se, a tornar-se mais elaborado, mais melódico, mais teatral, repleto de clima e atmosfera gótica. O terceiro e o quarto álbuns são fantásticos: The Children Of The Night é de uma beleza hipnótica, uma obra-prima do metal feito com coração; Down Below não teria como superá-lo, mas talvez ele faça exatamente isso. Deve haver quem desdenhe e diga que depois de seu quinto álbum, Where the Gloom Becomes Sound, o Tribulation não é mais metal, e talvez não seja mesmo e pouco importa: o Tribulation é o Tribulation, eles moldaram um som bastante próprio e peculiar, de beleza apurada e grande ressonância emocional. (Só para constar: para mim continua sendo metal. Se não por vários motivos, então por um único e definitivo: o vocal que emula alguma espécie de criatura monstruosa. É só entre os fãs deste tipo de música que tal maneira de cantar não provoca reações de vergonha alheia. Eu tolero; os cantores de ópera me soam mais constrangedores.)
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