Dying Days
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Discos do mês - Junho de 2023

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Junho de 2023

Crédito(s): Terry Riley em foto de autor desconhecido, copiada daqui.

Radiohead - In Rainbows

Bem sei que o OK Computer é, muito merecidamente, um dos grandes discos de nosso tempo (1997 ainda é “nosso tempo”? Ou já estamos vivendo o tempo seguinte?), porém meu Radiohead favorito é, desde seu lançamento, o In Rainbows. O OK Computer tem suas gordurinhas, sempre as teve; In Rainbows é preciso, curto, certeiro, uma destilação de tudo aquilo que o Radiohead experimentou e acertou no período que compreende este disco e aquele, e não foi pouco — talvez as pessoas não se lembrem muito bem de Hail to the Thief, mas todos hão de se lembrar de Kid A e Amnesiac. As provas que apresento para defender esta minha opinião são Weird Fishes/Arpeggi, Reckoner e House of Cards, essa última resvalando no agridoce que resvala na breguice dos momentos menos bons do OK Computer, tudo decerto culpa das más influências do pop rock britânico, sempre tão juvenil e folhetinesco — mas mesmo ela, House of Cards, soberba. Andei revisitando este disco nas últimas semanas e é exatamente como eu desconfiava: nem uma faísca de seu brilho se perdeu.

Terry Riley - Shri Camel

Um salve para Terry Riley, 88 anos completados alguns dias atrás. Riley é um destes iluminados que basta-nos ver uma foto sua para uma dose rápida de desafogo e alegria, uma leveza para as próximas horas, um recalibramento da qualidade do dia. Algo em seus olhos sempre me faz pensar que Riley vive sob a égide permanente da compreensão de que o estar vivo é um fenômeno miraculoso que, a despeito do tanto de coisas que tentam o tempo todo sabotá-lo, não merece ter sequer um único segundo desperdiçado… Ou será que vejo isto em seu sorriso fácil e aparentemente inextinguível? São os olhos e o sorriso de alguém que não poderia nunca travestir-se de algo que não é, fazer pose diante de uma câmera para parecer-se com um compositor sério, um intelectual contemporâneo etc. Há pessoas assim, cujo único papel que lhes é possível exercer é o de serem elas mesmas, e a admiração e simpatia que elas acabam naturalmente atraindo para si é tal que ocasionam coisas emocionantes deste tipo. Vejam só, até aqui me referi apenas à sua índole e suas feições; o que dizer de sua música? É a generosidade em forma de ondas sonoras. The Harp of New Albion é minha peça favorita de Riley, mas In C, provavelmente a mais famosa por conta de certas qualidades formais que escapam ao meu interesse e compreensão, é também fantástica — escutem essa versão, arrepiem-se com a passagem da parte 1 para a parte 2 e a ignição lá pelo meio da 5. O disco com o qual comemorei o cumpleaños de Riley, contudo, foi este Shri Camel, de 1980. São quatro faixas a gastarem cada qual seu tempo sem pressa alguma, ora enveredando por entre meditações mais recolhidas, ora fulgurando e dançando livremente, sem amarras, um jogo de morfismos que hipnotiza, deslumbra e diverte. Percebo que o hábito da canção radiofônica e suas muito profundamente arraigadas estruturas de ritmos, versos e refrões impedem muita gente de apreciar música mais livre deste tipo, mas aqueles que quiserem fazer um teste e tentar levantar o denso véu da cultura adquirida antes de ouvir algo novo e diferente, acho muito difícil que se decepcionem caso escolham fazê-lo com a música de Riley.

Kuedo - Severant

Certos discos de música eletrônica costumam evocar uma nostalgia que não é animada exclusivamente pela saudade do tempo (das coisas, dos lugares, das modas e estéticas) em que aquela música originalmente apareceu no mundo e chegou pela primeira vez aos nossos ouvidos, mas sim pela perspectiva de futuro que ela, a música, costumava então despertar e sugerir em nossas mentes. Nem toda essa perspectiva era muito convidativa — o futuro sugerido por Blade Runner e Vangelis não era algo que eu, quando criança, ansiava em viver: escuridão, chuva permanente e replicantes desvairados trocando tiros pelas ruas —, mas em grande parte ela nos fazia fantasiar um futuro algo mais excitante, mais aventureiro… Ou pelo menos um futuro em que o embate público dos bilionários pelo controle de nossas mentes e nossas vidas não fosse tratado como assunto das editorias econômicas e do colunismo social; um futuro em que esse tipo de tirania fatalmente aconteceria, conforme já havia sido mais ou menos previsto em outras ficções, porém a maior parte de nós já estaria consciente para se rebelar e lutar contra, e os absurdos da concentração de riquezas e das desigualdades sociais seriam os verdadeiros tópicos das notícias e das conversas. Santa ingenuidade! Mas eu gosto de reanimar estes sonhos e reevocar esta nostalgia, e recentemente descobri neste disco um excepcional atalho para esse regresso ao passado com fins de reacessar outro futuro. Recomendado fica para os fãs dos discos mais amenos de Tangerine Dream e Vangelis.

Yes - Relayer

E lá vou eu de novo escrever sobre o Yes. Mas que coisa esquisita. Eu não gosto de Yes. Ou gosto? Não sei dizer. O que eu gosto é que os discos do Yes são claramente mundos alienígenas localizados em outras galáxias, mundos que, fossem formados unicamente pela música amalucada que sai aos borbotões dos instrumentos da banda e da voz cafona de Jon Anderson e eu provavelmente não teria muito interesse em visitá-los de tempos em tempos. Porém eles costumam ser mais do que isso: são principalmente as amplas paisagens desenhadas pelo mestre Roger Dean em suas capas, e estas paisagens têm cheiro, têm movimento, têm mistério, têm presente, passado e futuro. São cenários excêntricos e completos, de uma atração irresistível para mim, sendo a música um componente que, em coerência com todo o restante, é igualmente estranha e insólita. E se nos concedermos alguma licença científico-poética e imaginarmos outras leis físicas regendo a ordem das coisas nestes locais, então a música começa até mesmo a fazer algum sentido. No meu caso, há ainda outra desculpa ou agravante: houve um momento em minha infância em que me imaginei um adulto leitor e consumidor voraz de ficção-científica, algo que com o passar dos anos acabou não se confirmando. O espaço que foi cultivado mas que o abandono dos livros e filmes de sci-fi acabou deixando vazio em minha vida interior talvez seja o espaço que estes discos do Yes vêm ocupar de vez em quando.

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