Discos do mês - Fevereiro de 2024
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:
Crédito(s): detalhe da capa do álbum Countdown to Extinction do Megadeth.
Texto:
Pearl Jam - Yield
No panorama da discografia do Pearl Jam, conforme a vejo, o Yield sempre foi o ponto de transição dos discos espetaculares para os medianos e bonzinhos. Ou: o Pearl Jam jovem e indomável para o Pearl Jam maduro e conformado. O álbum, em si, nunca me pareceu ruim, mas ao mesmo tempo jamais deixei de escutar nele esta marca incômoda, um pé lá e outro aqui, uma culpa ou vacilação que meio que o sabotava no âmbito da minha intensa convivência com a música da banda. Mas o que é que a passagem do tempo não afeta, não é mesmo? Pouca coisa passa incólume… Pois andei escutando novamente ao Yield nas últimas semanas e me afeiçoei bastante a ele. Mas devo acrescentar que foi uma redescoberta em mais de um sentido — a primeira destas audições foi literalmente inédita — e talvez por isso a mudança na apreciação: há anos eu tinha essa versão em vinil lacrada na estante, que chegou a parecer que assim ficaria para sempre, até que enfim tirei-a do plástico e escutei ao álbum com atenção, e descobri um bocado de coisas que nunca havia percebido antes e renovei meu afeto pelas canções que já gostava desde 1998 (In Hiding, MFC, Brain of J., Low Light). Algumas coisas não mudaram: Do the Evolution eu continuo achando uma bobagem; Given to Fly tem aquelas guitarras indiscutivelmente bonitas, mas sempre esteve (e assim permanecerá, junto de Jeremy) no rol das canções do Pearl Jam que me repelem por conta da pieguice que vai ali infiltrada na letra, no andamento, nos esgares de Eddie Vedder (que, evidentemente, não vejo, mas imagino). No Way e Faithful, por outro lado, converteram-se em pontos altos, acho até que os melhores. E a velha e recorrente constatação: um disco de vinil, quando bem feito, soa de fato superior, e para isso o aparato industrioso em que se transformou a marca Pearl Jam de fato serve muito bem: eles fazem vinis de primeiríssima linha, de qualidade sonora irrepreensível. O baixo de Jeff Ament é o batimento cardíaco de Yield, ressoando profundo e vigoroso, e todas as faixas, de modo geral, soam mais ricas e viscerais do que guardavam minhas lembranças. (O som do Binaural, que também andei redescobrindo, soa ainda mais encorpado e ainda mais revelador de um disco melhor do que eu costumava considerar.)
Megadeth - Countdown to Extinction
Eu entendo quem prefira manter em segredo seu afeto pelo Pearl Jam, cujo pedantismo sempre foi meio constrangedor. Se dessa vergonha, como vocês já perceberam, eu não padeço, gostar do Megadeth por outro lado é algo com que eu tenho bastante dificuldade em lidar. Ocorre que sempre tive problemas com a famosa separação entre “o homem e sua obra”. Dave Mustaine, por tudo que já li a seu respeito, parece ser um sujeito horroroso, alguém com quem eu certamente não teria nada para conversar e não gostaria de ter por perto — o que, de certo modo, acontece quando escuto seus discos —, e por conta disso é que eu havia deixado de acompanhar sua banda já faz bastante tempo. (E não que todos os(as) artistas cujo trabalho acompanho sejam seres humanos excelentes, mas há limites que tento respeitar; de resto, não acho que todo mundo deva proceder dessa forma: este sou apenas eu com minhas manias e prioridades.) Alguma coisa, porém, tem me chamado de volta aos discos antigos do Megadeth, uma relação antiga e uma afinidade sonora cujas forças de atração têm me forçado deixar de lado a repulsa que sinto por Mustaine. A afinidade definitivamente não é com sua voz meio (meio?) ridícula; está muito mais para as guitarras afiadas e nervosas de discos como Rust in Peace e Peace Sells… But Who’s Buying?, clássicos irresistíveis que transcendem o nicho do thrash metal. Countdown to Extinction não é melhor do que estes dois, mas é o que mais tenho escutado possivelmente por conta da minha maior intimidade com ele. Sobre este disco e esta intimidade, uma anedota do meu álbum de memórias musicais: em 1992, ano de seu lançamento, eu tinha 13 anos e apenas iniciava minha vida de melômano, experiência muito diferente do que imagino que deve ser hoje em dia, afinal, eram os tempos pré-internet e nós descobríamos nossa música gravando fitas cassetes, ouvindo rádio, visitando lojas de discos etc. O furacão Metallica havia acabado de devastar a paisagem sonora mundial e deslocado o eixo da Terra em alguns graus, e embora eu praticamente desconhecesse a banda (o Metallica) e não tivesse acesso aos seus discos, eu já tinha reparado em Nothing Else Matters, que tocava incessantemente nas rádios, e queria muito conhecer o álbum que a trazia. Contudo, antes que pudesse saber que disco seria este, certo dia vi o Countdown to Extinction em uma loja de discos e, deslumbrado com a imagem de sua capa e confundindo os nomes das duas bandas (cujos logotipos eram praticamente idênticos), concluí — ou, por via da autoridade suprema que eu me auto-atribuía em meu mundo de criança, eu decidi — que aquele era o disco em que se encontrava Nothing Else Matters. Talvez eu não soubesse exatamente o título da canção, nem devo ter me dado ao trabalho de ler o tracklist: para mim era evidente que aquela imagem da capa do álbum, o velhinho magricela enclausurado, era a imagem de Nothing Else Matters, a representação visual exata e indiscutível da canção, e portanto era neste disco que esta faixa estava. Qual não foi minha decepção, logo depois, ao descolar uma gravação em fita cassete de Countdown to Extinction e não ouvir Nothing Else Matters em lugar nenhum… Mas a força daquela certeza na época foi tal que ainda hoje, sempre que eu a escuto, me vêm à mente a imagem do velhinho semi-morto levitando!
John Carpenter - Lost Themes III: Alive After Death
Eu estava agoniado com a falta deste disco em nossa estante. Lançado durante a pandemia, demorou demais até conseguirmos enfim preencher a lacuna aberta ao lado dos dois primeiros volumes. Não que tenha sido uma surpresa, mas o disco é maravilhoso, não fica devendo nada aos dois primeiros volumes. John Carpenter não perde a mão para esse tipo de música que ele ajudou a inventar, embora eu desconfie que os aportes de seus colaboradores (Cody Carpenter, seu filho, e Daniel Davies, filho de Dave Davies, do Kinks) não sejam pequenos, afinal, o mestre vai se aproximando dos seus 80 anos. Seus filmes fazem falta, mas enquanto ele continuar lançando temas perdidos ou mesmo reciclados, a gente perdoa.
Tears for Fears - Songs From The Big Chair
Os reis inquestionáveis da nossa vitrola em fevereiro, contudo, foram Roland Orzabal e Curt Smith — o Tears for Fears. Essa dupla tem lugar especial aqui em casa, junto com o Talk Talk, o Necks e poucos outros: na dúvida, na hesitação, no cansaço que nubla os sentidos e confunde as vontades, são seus discos que tiramos da estante. E eles jamais nos deixam na mão. Confesso não entender direito como funciona a banda — quem é quem, quem toca e canta o quê — mas disso sempre tive certeza: são dois dos melhores artesãos da música pop de uma época em que artistas costumavam ainda se esmerar, prioritariamente, em sua música, pois era ela que os representava acima de tudo.
Comentários:
Redescobri o No Code nos últimos anos. In my tree e Who you are são atemporais, da mesma forma que No Way e Faithfull, tb conhecida como uma das melhores músicas do PJ,
Acho que a maioria dos fãs põem na conta do No Code a transição que mencionei acima. Eu, contudo, tenho um lugar especial no coração para este disco, por uma série de motivos.
Uma bobagem/clichê a se considerar. Como diria Renato Russo, um álbum deve ser pensado como uma história, bla, bla, bla... Só tenho um vinil do PJ, o VS, um dos poucos que eu mantive quando me desfiz de minha coleção no início dos anos 2000, e vou dizer, faz mais sentido escutá-lo em vinil. Voltei ao vinil recentemente, e acredite, tem discos que se realizam como obra quando se apresentam em vinil. Álbuns que eu já gostava como Carnaval na obra, Ventura, Be Here Now, Ok Computer (pra ficar no básico) proporcionam outra experiência, talvez seja isso que te fez reconsiderar o Yield. O PJ acabou no Binaural.
Sid, eu acho que a coisa do vinil é que ele meio que te impõe que você preste atenção à música; ele te impõe a criação de um vínculo pessoal. Enquanto que a experiência do consumo de música via internet me parece ser: "ouça o que todo mundo ouve". O que me parece ser a essência das redes sociais: "seja como todo mundo; veja as mesmas coisas, consuma as mesmas coisas". Uma nivelação da experiência humana. Mas isso é outro papo. Eu não diria que o Pearl Jam acabou no Binaural... De fato a partir dele tem uma sequência de discos inferiores, mas o Gigaton, na minha opinião, demonstrou que a banda ainda tem razão de existir. Estou bem curioso com o disco novo que sai mês que vem. Já encomendei o meu (em vinil, evidentemente).
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