Dying Days
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Discos do mês - Abril de 2023

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Abril de 2023

Crédito(s): patos, Steve Gunn. Foto de Constance Mensh copiada daqui.

Steve Gunn - Eyes On the Lines

Considero válido todo e qualquer meio de se descobrir música nova, não desdenho nenhum dos que estão ao meu alcance. Nem mesmo a Pitchfork. Valeu-me muito esta tática umas semanas atrás enquanto navegava pela auto-denominada “The Most Trusted Voice in Music” (esse tipo de coisa sempre me lembra aquele verso de Vinícius de Moraes: “O homem que diz sou, não é…”) e me deparei com um texto sobre o novo disco de certo Steve Gunn, nome que nunca antes havia me passado pela frente. Algo me chamou a atenção e fui escutá-lo, e que bom que o fiz. Tenho birra com a Pitchfork, mas devo reconhecer que não foi a primeira vez que descobri algo valioso em suas páginas. Gostei muito do trabalho de Gunn comentado naquela resenha e dele parti para a jornada de descobrir seus outros álbuns, que não são poucos, e que logo fui percebendo serem todos pelo menos ótimos e às vezes excepcionais e não raro até mesmo mais do que isso. Eyes On the Lines, de 2016, por exemplo, é tanto mais a ponto de já estar pleiteando um lugar na seleta lista dos discos que formam a trilha sonora da minha vida, ainda que talvez seja prudente esperar mais um pouquinho para ver se ele merece mesmo ficar ali junto do Laughing Stock, do Scoundrel Days, do Acid Eaters, dos tantos Midnight Oils. Acho que sim. Adoro a voz mundana de Gunn (voz de alguém que não nasceu para ser cantor e nem se esforça para enganar), seu jeito de tocar guitarra que lembra o estilo tardio de Lee Ranaldo e a clareza e a desafetação que me remetem à música ao mesmo tempo banal e singular de meu ídolo Mark Knopfler, principalmente em seus primeiros discos com o Dire Straits. Mas há ainda algo mais na música de Gunn. Dia desses eu vinha no ônibus e escutava ao Eyes on the Lines nos fones de ouvido, embevecido e concentrado, provavelmente sorrindo como um bobo para o divertimento de meus confrades de transporte público, tudo efeito do sopro refrescante de mar que suas canções bafejavam em meu rosto, sopro de água salgada, de clima fresco e despoluído, de manhã repousada e luminosa. Eu zigue-zagueava aos solavancos pela cidade quente, agitada, mas em minha cabeça eu estava em outro lugar. Discos que nos proporcionam isso, estes devaneios de subjetividade que nos centram e nos elevam da condição de mera matéria atirada incansavelmente de um lado para o outro — estes discos são tesouros inestimáveis.

Tim Hecker - No Highs

Tenho a tendência de apelar frequentemente para clichês do tipo “feitiçaria”, “mágica” e “alquimia” quando me refiro a certo tipo de música e certos artistas, e não vai ser o novo disco de Tim Hecker, No Highs, que me fará passar a ser menos vago e mais acurado no uso das palavras. Antes o contrário: que magia sublime domina este canadense. Música eletrônica deste tipo que Hecker faz — com pendores para o ambient, para o transcendente — costuma aprofundar ainda mais o abismo abstrato existente entre a fonte da música (quando gravada) e seu ouvinte, uma vez que, além de tudo aquilo que naturalmente já afasta um e outro, temos aqui o agravante de que nem sempre é possível compreender ou identificar o que produziu determinado som, o instrumento utilizado, o software, o sintetizador, a frequência, seja lá o que for, e paira então sobre a experiência do ouvinte essa névoa de obscuridade, efeito amplificado pela conjunção dos muitos sons simultâneos que em geral formam uma única peça. Acho essa distância e esse enigma algo fascinante, das coisas que mais me atraem no mundo da música eletrônica — o infinito de possibilidades que daí germina — e a imagem do artista como conjurador de sortilégios sonoros, muitas vezes desconhecidos até mesmo para ele próprio, apenas adiciona beleza e mistério à sua arte. Richard David James, vulgo Aphex Twin, talvez seja o mago supremo, mas Tim Hecker vai avançando na construção de uma discografia que parece pouco a pouco abarcar longitudes ainda mais deslumbrantes do que as mapeadas por James (afirmação que bem sei deve horrorizar os fãs do Aphex Twin, e eu os entendo, mas sustento-a mesmo assim). Vejamos até onde Hecker nos irá levar. Por ora, No Highs tanto me fascina que não têm sido raros os dias cujas listas de compromissos e tarefas costumo encarar apenas como séries de obstáculos para chegar ao fim do dia e poder escutá-lo em casa novamente.

SQÜRL - Some Music for Robby M​ü​ller

Steve Gunn e Tim Hecker não me deixaram ouvir a variedade de música que costumo ouvir todos os meses, e o mês já ia lá pelos seus últimos dias quando finalmente ouvi ao SQÜRL, a banda do cineasta Jim Jarmusch, e o que escutei, este breve álbum chamado Some Music for Robby M​ü​ller, me surpreendeu e agradou muito. Digo que surpreendeu porque, embora soubesse da existência desta banda há algum tempo e seja muito fã dos filmes de Jarmusch — em especial de seus personagens loucos, bêbados, perdidos e amaldiçoados —, eu achava que seria pouco provável que viesse a gostar de sua produção musical, imaginando que seria ela algum produto genérico de sua vaidade, de seu tédio, de sua reputação de independente e alternativo, de artista marginal nova-iorquino, coisas de relativo ou nenhum valor para mim. Nem mesmo sua amizade e parceria com gente do quilate de Neil Young, Iggy Pop e Tom Waits me animavam muito a escutá-lo… Mas vejam como a intuição às vezes erra, e erra grande, nos lembrando que também ela precisa ser posta à prova de vez em quando. Foi um comentário positivo sobre a música do SQÜRL lido em algum lugar o que me fez arriscar e escutar ao Some Music for Robby M​ü​ller, e me pegou de surpresa a beleza de sua música cheia de textura e ambiência, que vai deslizando em câmera lenta, reminescente das trilhas-sonoras e das paisagens de filmes como Paris, Texas, The Straight Story e alguns outros da lavra do próprio Jarmusch. Brian Eno e Moby também emprestam algumas de suas boas ideias ao SQÜRL (Moby, eu sei, lança uma porção de discos ruins e parece ser ele próprio um sujeito intragável, mas alguns de seus álbuns são muito bons) e a essa altura creio já estar claro de que tipo de música estamos a falar aqui: é do tipo que serve de narcótico, para ouvir e diminuir a pressão sanguínea e relaxar. Tem um novo disco do SQÜRL para sair em breve, agora fiquei bastante curioso para escutá-lo.

Melenas - Dias Raros

Comecei este post alfinetando a Pitchfork, vou terminar exaltando um dos meus meios favoritos para descobrir música nova: as entrevistas da série What's In My Bag?, produzidas pela Amoeba Records. Foi num episódio recente com o New Pornographers que descobri esta banda espanhola chamada Melenas, e gostei de imediato dessas meninas pelo mesmo motivo que me fez adorar o Warpaint desde o princípio: a longa depuração que passou pelo Ventures e pelo post-punk, pela Siouxsie and the Banshees e pelo shoegaze, pelo L7 e pelo Sleater-Kinney, e presentemente cá chegamos nelas, no Warpaint e nas Melenas. Estas últimas, ainda por cima, dão de mão espalmada na cara do dinossauro defasado que sou, que até outro dia achava que rock ’n’ roll só funciona quando cantado em inglês ou japonês, e cantam suas músicas em lindo e atrevido espanhol.

Comentários:

Alexandre | 07/05/2023

Opa, Steve Gunn eu já ouvi, é muito bom mesmo. Não lembro exatamente de onde que eu soube dele, possivelmente dessas listas de fim de ano. Ouvi/gosto de dois discos dele, the unseen in between e other you. Ainda não fui atrás dos mais antigos, nem desse último lançamento, ótima dica!

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