Discos do mês - Abril de 2021
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

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Green Day - Dookie
Dookie, do Green Day, foi uma paixão ardorosa lá por volta de 1994, 1995. Devo ter escutado a este disco algumas milhares de vezes, e talvez isto não seja mera maneira hiperbólica de dizer... Lembro de ouvi-lo em todo tipo de situação: enquanto estudava; nos fones de ouvido indo e voltando da escola; no banco de trás do carro dos meus pais durante alguma viagem aborrecida; vadiando com os amigos; vadiando sozinho, sem fazer nada. Gostei bastante também do disco seguinte, Insomniac (ainda que provavelmente não tenha chegado ao milhar de audições), mas em 1997, quando lançaram Nimrod, nessa época eu já estava em outra e muito pouco ouvi dele e dos que vieram depois (e o pouco que ouvi me deixou a impressão de que o Green Day se transformou numa destas bandas insossas tipo Foo Fighters cuja música é fabricada na medida para o palato médio das multidões de classe-média que consomem rock ’n’ roll via Spotify). Mas Dookie, que desenterrei dentre meus discos uns dias atrás — e era naquele momento sério candidato ao título de CD meu há mais tempo sem ser retirado de sua caixa — Dookie mantém preservado boa parte de seu petulante e barulhento encanto infanto-juvenil: mal me lembrava de Having a blast (dois mais três quartos de minuto perfeitos do início ao fim), de Pulling Teeth ("Is she ultra-violent or disturbed/I better tell her that I love her”) e Longview (muito melhor do que os hits She e Basket Case). Foi meu exercício mensal de nostalgia adolescente, e foi bastante divertido.
Neurosis - Given to the Rising
Acho que as vinhetas atmosféricas com suas pequenas narrativas sobre fogo, sombras, seres ancestrais, etc., não envelheceram lá muito bem, mas no geral Given to the Rising continua um colosso de disco. Sem nenhum competidor chegando muito perto, é o ápice daquilo que em fins dos anos 90 e no decorrer dos 2000 nos acostumamos a chamar de post-metal (um pouco precipitadamente, talvez, mas é compreensível a ânsia em querer deixar para trás o Manowar e as bandas italianas de metal sinfônico), com a ressalva de que esta associação entre Neurosis e post-metal é provavelmente um desserviço à banda, uma vez que a graça de muitos dos nomes que me vêm à mente quando penso neste gênero ou sub-gênero — Isis, Pelican, Jesu, entre outros — esgotou-se bastante rapidamente para mim, coisa que, evidentemente, não aconteceu e a essa altura creio poder dizer que nem irá mais acontecer com o Neurosis. Não é que aquelas sejam bandas ruins, não é que eu não as escute ocasionalmente ainda hoje em dia; ocorre que o metal é este trem desabalado dos infernos rumo a sabe-se lá onde, pilhando e incendiando sem misericórdia as estações pelas quais ele passa, e muito daquilo que vai ficando para trás não resiste e não demora a tornar-se datado, insuficiente, uma porção de ideias velhas, ruínas calcinadas. Que graça tem o Jesu hoje perto do Oranssi Pazuzu? E o Isis perto do Ulcerate? Em todo o caso, o Neurosis é muito mais que post-metal; o Neurosis é o Neurosis desde 1985 e Given to the Rising se destaca mesmo em meio a uma discografia praticamente sem falhas.
Eyehategod - A History of Nomadic Behavior
E o curioso (seguindo a meada aberta pelo trecho acima) é que algumas bandas mais antigas — não necessariamente bandas que se possa chamar ”atemporais”; apenas não tão evidentemente costuradas a uma estética mais específica, mais pormenorizada — algumas seguem na estrada e seus discos não perdem tão rápido assim a pertinência. Em termos de sonoridade, costumam ser os herdeiros do Hawkwind e do Motörhead, daquilo que esse tipo de música têm de essencial: agressão, inconformismo, independência. O Motörhead poderia continuar existindo para sempre, liberto das amarras da mortalidade, lançando o mesmo disco a cada dois anos — que foi o que fizeram por cerca de quatro décadas — e eu os adoraria para sempre. O Eyehategod é outro destes rebeldes irascíveis cuja música parece fazer pouco caso da passagem do tempo e A History of Nomadic Behavior, lançado há pouco, já está anotado na minha lista inicial de melhores de 2021. E há no caso do Eyehategod um outro fator: de um ponto de vista talvez particular (mas que ponto de vista não o é?), esses norte-americanos vêm tecendo disco a disco uma crônica possível de nossos dias, um informe realista e brutal sobre a escória que fica cada vez mais difícil escondermos sob o tapete. Algo feio e grosseiro, sejamos logo francos; vincos e desafinações que suscitam uma espécie de ressonância extra, algo desconfortável mas nem de longe estranho ou alienígena, pois são estes vincos e feiúras como que correspondências diretas às fissuras sociais com as quais vamos nos vendo cada vez mais acostumados a conviver e assimilar neste mundo conflagrado, cada um de nós em um nível maior ou menor de perplexidade e auto-engano, aceitando mais ou menos a desigualdade obscena e o tumulto geral. Acotovelados neste mesmo barco fazendo água onde estamos todos, os caras do Eyehategod parecem os passageiros menos inclinados à complacência e ao auto-engano, e sua música tende a perdurar justamente devido a esta honestidade sem filtros e nem maquiagens. Será, sem dúvida, um grande dia aquele em que a escutarmos e ela não fizer mais sentido algum, não tiver mais validade alguma... Temo, contudo, que esse dia ainda vá demorar.
Virginia Astley - From Gardens Where We Feel Secure
Isso não quer dizer que música do tipo mais lúdica ou de feitios mais gentis ou idealizados não me interesse mais, muito pelo contrário: esse tipo de válvula de escape segue sendo fundamental. Este disco da inglesa Virginia Astley é um verdadeiro bálsamo, uma pérola — e como brilha em meio à música suja e barulhenta arrolada neste post! É música para dar um tempo neste mundo de corpo e alma infeccionados, abrir uma brecha para respirar e descansar, imaginar-se em um lugar que quase não dá mais de acreditar que possa ainda existir neste nosso planeta, algum refúgio que receba este mesmo sol que nos banha a todos diariamente mas distante o suficiente do furor assassino que parece ter arrebatado de vez as cidades e da intromissão permanente a qual parecemos estar agora todos irremediavelmente subjugados. É também música que ratifica aquilo que intuitivamente todos nós sabemos: um mundo mais feminino seria um mundo muito melhor.
Alice in Chains - Dirt
Tem dias que eu acordo com uma vontade obsessiva de escutar Alice in Chains, um desejo louco e urgente que deve brotar de algum sonho ou pesadelo recorrente cujo enredo eu ainda não consegui reter na memória para trazer comigo para a claridade do dia e tentar entender e interpretar. Nesses dias quase nenhuma outra música me serve, salvo algumas trilhas-sonoras e alguma música instrumental (e os discos do Sleep, que se situam em todas essas categorias e ao mesmo tempo fora do planeta Terra); nesses dias acordo e ponho o Dirt logo para tocar, esse disco-monstro que não me cansa nunca, e depois passo para o Jar of Flies ou então o Sap, e termino ou com Facelift ou com o sem título (ou auto-intitulado) de 1995. E depois fica dureza escolher o que escutar... Acho que já escrevi por aqui que dentre aquelas bandas de Seattle o Pearl Jam é a que tenho mais próxima ao coração e o Melvins é possivelmente uma das minhas cinco bandas favoritas de todos os tempos, mas se tivesse que escolher os CDs de apenas uma delas para levar para uma ilha deserta onde não houvesse nada além de um coqueiro (porque sempre há coqueiros nas ilhas desertas) e um tocador de CDs, creio que eu hesitaria mas acabaria escolhendo os discos do Alice in Chains. Eu sei, isso não tem lógica nenhuma, mas assim, como diria o velho xamã, assim é.
Sleep - The Sciences
Mas que banda é essa, afinal, que compõe e grava uma suposta obra-prima, que não é lançada, que causa uma grande confusão, que acaba com a banda, e tempos depois essa suposta obra-prima é lançada e deixa imediatamente de ser apenas uma misteriosa conjectura para ser tornar um fato absoluto e incomparável, e então essa banda se reúne novamente, faz uns shows, faz triplicar o consumo de erva pelas cidades por onde passa, e finalmente volta ao estúdio e grava um negócio que exige a invenção de uma nova categorização de qualidade porque esse artefato perturbador de centros gravitacionais chamado The Sciences é mais do que uma obra-prima? Existe alguma outra banda de trajetória mais louca e triunfante do que essa? (E se você discorda que The Sciences é melhor que Dopesmoker, é porque você não escutou com atenção.)
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