Dying Days
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Discos do mês - Janeiro de 2020

Fabricio C. Boppré |
Discos do mês - Janeiro de 2020

Led Zeppelin - Ascension in the Wane

Este fenômeno vem se repetindo já há alguns anos: basta instalar-se o verão e eu começo a escutar discos de hard rock loucamente. Hard rock, rock clássico, rock setentista, seja lá como se queira chamar — este ano, junto com o calor e os dias na praia, vieram Led Zeppelin, Hawkwind, Cream, King Crimson, e até mesmo Deep Purple, banda pela qual sempre nutri uma indiferença que chega a resvalar na aversão efetiva. A melhor explicação que consigo encontrar para esta causalidade reside no fato que que ambas as coisas, verão e hard rock, possuem o signo do hedonismo; quanto à minha patológica falta de maturidade, isso é assunto que evidentemente não interessa a ninguém. Bem, destes nomes todos, o Led é o meu campeão, claro. Tenho o King Crimson inscrito em um seletíssimo grupo de prediletos — aqueles cujos discos reúnem explorações cósmicas e belezas sublimes sem fim — mas o Led Zeppelin é uma destas paixões transcendentes, incomparáveis. Amo os discos de estúdio, pedras basilares da história da música popular ocidental, mas acho que passo ainda mais tempo escutando aos discos ao vivo e aos bootlegs que acho para download por aí. Tenho uma relação complexa com estas gravações, um convívio já antigo que tem um quê de masoquismo: as músicas nos shows são quase sempre as mesmas e há as infalíveis que se estendem por torturantes 20 ou 30 minutos; os uivos e orgasmos de Plant são, frequentemente, intoleráveis; muitas das letras são bobagens grosseiras e machistas… E, não obstante tudo isso, continuo voltando a eles, ao que estes discos têm de espetacular, que não é pouco: a maravilhosa enxurrada das guitarras e violões de Jimmy Page e a selvageria inigualável de John Bonham, juntos, uma exorbitância sonora que praticamente inaugurou um novo idioma e revelou a senda para um outro mundo. Muitas músicas do Led são icônicas e especiais, é claro — como não amar Rock and Roll? e Bron-Yr-Aur Stomp? e When the Levee Breaks? — mas é a experiência completa, desde o segundo inicial até o último aplauso morrendo em fade out, e não a perspectiva de ouvir essa ou aquela música em particular, que me atraem a estes shows; é o ritual da torrente sônica produzida por estes dois titãs que me faz atravessar, valentemente, as longuíssimas e chatíssimas meias horas de Dazed and Confused que tanto engordam estas gravações, mas que tampouco poderiam ficar de fora. Ouvir um bootleg do Led Zeppelin não é, em outras palavras, uma experiência compartimentalizável: são massas brutas irredutíveis que tudo atraem e que exigem que você se comprometa com a coisa toda, mesmo os momentos de provação, se quiser alcançar a recompensa final. Este Ascension In The Wane que venho escutando nos últimos dias é exemplo de tudo isso multiplicado por cinco: são cinco discos duplos com gravações da turnê que a banda fez pelo Reino Unido em 1973, cinco doses desmedidas de tudo que a banda tinha de magnífico e de excessivo na época que os consagrou como a maior banda do mundo, material fartíssimo para quem, como eu, não se envergonha em refastelar-se hedonisticamente na luxúria do som zeppeliano. Nem que seja só no verão.

Devil Master - Satan Spits On Children of Light

Este Satan Spits On Children of Light — do Devil Master, banda da terra do Rocky Balboa, a Philadelphia — eu teria colocado na minha lista de favoritos do ano passado se tivesse conhecido-o antes! Nos últimos tempos não tenho escutado metal com regularidade, mas também este é um fenômeno identificável: chega um determinado momento — umas duas ou três vezes por ano — em que sinto uma sede intensa da boa e velha música do tinhoso e me ponho então a ler sobre as novas bandas e me atualizar a respeito dos velhos dinossauros ainda na ativa e, claro, a escutar o máximo possível das coisas que foram lançadas durante o meu último período de distanciamento, me valendo principalmente das listas e sugestões publicadas em alguns sites e blogs que acompanho. E é sempre uma alegria constatar (nunca falha) que o metal continua sendo a coisa mais saudável e corajosa dentre tudo o que se faz atualmente em termos de música: os grupos e artistas desta arena continuam os mais independentes e arrojados, bastante avançados na dianteira da vanguarda musical deste nosso mundo à perigo. O que faz todo sentido, se for pensar bem. O Devil Master tem uma pegada que mistura metal old school e hardcore que eu adoro, ecos malignos de Celtic Frost convivendo com riffs furiosos à la Discharge numa orgia insana dos infernos. É ou não é uma delícia?

(E para mais, muito mais música malvada deste naipe, uma sugestão: visite a página do pessoal da 20 Buck Spin no bandcamp. São horas e mais horas de massacre, de música indomável, um pouco do melhor que o metal tem a oferecer hoje em dia. E se estiver de férias e com tempo livre, passe aqui e aqui também. Insisto: é a música do nosso tempo, a mais audaciosa e independente, e também a mais bem informada. O demônio e o apocalipse, como se sabe, sempre foram os temas metálicos por excelência, porém a coisa toda costumava ser mera brincadeira escapista e inofensiva, coisa de rebeldes malcriados, ou desajustados que liam J. R. R. Tolkien demais, ou que tinham dificuldades em conversar com as meninas. Ou que moravam na Noruega, sei lá. Agora, por outro lado, estes são os verdadeiros temas e dilemas da humanidade. O apocalipse é logo ali. Agora é tudo muito sério, e real, muito real.)

Hildur Guðnadóttir - Mount A

Também um bocado de música clássica tem ocupado meus ouvidos, convivendo em perfeita harmonia com as tormentas elétricas descritas acima. A música da islandesa Hildur Guðnadóttir, por exemplo, tem uma afinidade completamente natural com o metal, em minha opinião. Ela pode parecer quieta, plácida, mas isso é pura superfície: sua riqueza está nas profundezas, acessíveis apenas a quem engajar-se em escutá-la com atenção. Não há guitarras nem urros preconizando o fim do mundo, a humanidade afogando-se em oceanos de sangue, mas há uma intensidade ímpar, uma beleza sombria e imponente que muitas bandas de metal sequer sonham em alcançar. A substância dos oceanos, aqui, é etérea e indefinida, e a aniquilação apenas uma possibilidade.

Giovanni Antonini & Il Giardino Armonico - Haydn 2032 No. 8 - La Roxolana

Sempre que sai um novo disco desta série Haydn 2032 eu dou um jeito de ouvi-lo, pois são todos umas belezuras. O último que eu escutei foi o volume 8, intitulado La Roxolana, e que traz as sinfonias de números 28, 43 e 63 de Franz Joseph Haydn, além de uma versão para cordas das Danças Folclóricas Romenas de Bártok. O austríaco Haydn foi, segundo dizem, o inventor do formato mais famoso das sinfonias, o modelo de quatro movimentos que seu tornaria o arquétipo empregado pelos grandes mestres que viriam a seguir. As peças pioneiras de Haydn neste formato, no entanto, costumavam ser breves, de escopo mais modesto, comedimento este que logo seria suplantado pelo porte e pela dramaticidade dos épicos de Mahler e Beethoven, obras cujo maior fôlego e ambição se fixariam com mais perenidade no imaginário popular. Mas nada disso tira os muitos méritos das peças sinfônicas escritas por Haydn: gosto muito destas suas "proto-sinfonias", de sua impetuosidade, da criatividade ilimitada para as melodias e andamentos, a riqueza sonora que parece se multiplicar miraculosamente, de forma incessante, movimento após movimento, sinfonia após sinfonia. É uma música muito rica, energizante — ouvidas hoje, elas podem até parecer compactas, mas de modo algum podem ser chamadas de menores. Haydn, afinal, pavimentou o caminho dos que vieram depois, e aos desbravadores desta estirpe nunca faltam ideias e recursos. (Acrescente a isto o fato de que o sujeito escreveu 106 destas sinfonias e ainda achou tempo para inventar os quartetos de cordas, e você terá uma noção de sua grandeza.) Nesta série Haydn 2032, e em particular neste volume 8 que ouvi mais recentemente, as performances do Il Giardino Armonico (com a condução de Giovanni Antonini) são de tirar o fôlego; a produção dos discos é também de primeira grandeza: se fechar os olhos, o ouvinte considera seriamente a hipótese de descobrir-se numa sala de concertos quando voltar a abri-los, sentado bem diante do palco, tal a nitidez e a exuberância de detalhes da coisa. E se não bastasse tudo isso: a produção gráfica destes discos é também coisa de requinte muito superior. Vida longa ao pessoal do Haydn 2032! (Vão precisar, se a ideia é gravar todas as mais de 100 sinfonias.)

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