Relato de meio de caminho - Dezembro '25
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Verão, de Giuseppe Arcimboldo, copiada daqui.
Texto:
Já estamos na metade de dezembro e lá vai passada a hora de redirecionar minhas audições, de mover-me em direção à música que combina mais com o calor do verão, que entendo ser praticamente toda e qualquer música que não seja metal. E, no entanto, metal continua sendo quase tudo o que venho escutando. Ao menos estive revisitando nos últimos dias um conjunto de bandas que, a partir de meados dos anos 90, protagonizou uma pequena revolução nas zonas mais extremas do metal, enriquecendo seus álbuns com produção mais elaboradora, melodias mais sofisticadas (ou simplesmente "melodia", coisa então desconhecida entre as hordas do black metal primitivo, por exemplo), enxertando em sua música mais drama, beleza, teclados e sintetizadores. Houve a coisa mais teatral e, de certo modo, apelativa do Cradle of Filth e Dimmu Borgir, mas houve também um punhado de obras-primas audaciosas por parte de bandas como Tiamat, Gathering, Rotting Christ e Paradise Lost, todas elas oriundas de um mesmo círculo da música extrema européia. Um exemplo muito bem acabado deste movimento é esta preciosidade chamada Sleep of the Angels dos gregos do Rotting Christ. Lançado em 1999, é um disco irresistível repleto de beleza gótica, atmosfera carregada de misticismo e poesia herética, guitarras ao mesmo tempo ásperas e melífluas, talvez o ponto em que o Rotting Christ não mais poderia ser chamado black metal, em benefício deles mesmos, cuja música não merecia mais ser assim tão cruelmente simplificada. Outro disco que revisitei foi o How To Measure A Planet? dos holandeses do Gathering, este um álbum ainda mais corajoso e complexo, que parece beber da mesma fonte que o Pink Floyd de 1994 bebeu para gravar seu The Division Bell. Ocupando dois CDs, How To Measure A Planet? talvez seja um pouco longo demais, porém eu sempre apreciei aventuras exigentes deste tipo, mesmo quando elas trazem seus percalços — os percalços, talvez, valorizam os grandes momentos, e grandes momentos é o que não falta neste disco. Rescue Me e The Big Sleep são canções deslumbrantes e difíceis de acreditar terem sido compostas por uma banda cujo primeiro disco, meros seis anos antes, era death metal puro e simples. É verdade que os dois álbuns anteriores do Gathering, os excepcionais Nighttime Birds e Mandylion, já demonstravam esta rápida evolução da banda; ainda assim, How To Measure A Planet? é um disco radical e original em muitos sentidos. Eu o adoro desde que o escutei pela primeira vez na biblioteca da faculdade, no intervalo entre duas aulas, sentado ao lado da parede envidraçada que dava para uma espécie de jardim interno que havia no meio do prédio, os CDs alugados tocando no discman — lembro-me muito bem desta cena, como se um eu do futuro estivesse lá escondido entre as estantes de livros cheios de etiquetas de catalogação, a auto-observar-se com atenção, e agora, chegado o futuro, o eu do presente rememora esta cena testemunhada secretamente quase 30 anos antes: o magricela de olhar perdido sobre a grama, os livros e cadernos negligenciados, fascinado com as faixas finais do álbum, Probably Built In The Fifties e How To Measure A Planet?. Não à toa fui tão mau aluno na faculdade: ficava escutando CDs até mesmo na biblioteca, quando deveria estar estudando nas vésperas das provas. Por fim, andei escutando também algumas das obras-primas do Paradise Lost — sim, esta banda monumental possui algumas delas. Estes ingleses são os autores de alguns dos discos mais bonitos de todo o vasto reino da música sombria, Draconian Times e Icon pairando soberanos sobre todos os outros. Eu havia me esquecido, confesso, o quão fantásticos são estes dois álbuns. Eu havia me esquecido da deliquência que é não tê-los em minha coleção... Oras, o natal está chegando; quem quiser me presentear, fique sabendo então que são estas algumas das lacunas mais urgentes em minhas fileiras de CDs.
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