O caminho adiante
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): Ilustração de Gustave Doré para o poema A Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Texto:
Dia desses me dei conta de que 2022 marca o aniversário de uma década deste hábito que denomino “Discos do mês”, estas reflexões mensais sobre alguns dos discos que escuto e, em menor medida, na forma de derivações ao sabor dos ventos, sobre o mundo no qual esses discos existem. Investigando os arquivos do blog, descobri que foi precisamente em outubro de 2012 que o primeiro post da série veio à luz, ou seja, há exatos 10 anos. Parabéns para mim, pela disciplina. Não lembro bem como a ideia começou, mas já faz algum tempo que o hábito vem sendo mantido por razões bastante diversas daquelas que costumam motivar as pessoas a publicarem textos na internet: o que me anima é, antes de tudo, a reflexão e o recolhimento necessários para a escrita. Mesmo que sejam extremamente capengas e não raro confusos e convolutos, o processo de elaborar estes textos é intimamente muito prazeroso e frequentemente revelador. Na minha forma particular de executar a coisa, escrever sobre um disco significa, antes de tudo, observar a mim mesmo, às minhas reações diante dos estímulos do mundo e ao que há dentro de mim que modela ou ocasiona tais reações. Observar essas coisas, tentar compreendê-las e expressá-las por escrito: este processo, incluindo aí a parte “técnica” da observância às regras sintáticas, léxicas e semânticas da língua, que ajudam a estruturar e esclarecer o pensamento, tornou-se um exercício mental do qual não mais abro mão. Há algo de espiritualmente muito excitante no exercício da escrita, creio que ainda mais se estiver relacionada ao mundo das artes. Às vezes é surpreendente, às vezes é vertiginoso, e é sempre edificante. Mais gente deveria tentar.
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Creio que ao longo destes 10 anos foram apenas duas ou três as ocasiões em que faltei a este compromisso comigo mesmo. Uma ou duas vezes por cansaço e/ou falta de tempo; outra, em outubro de 2018, por absoluta tristeza e prostração. Naquela ocasião, em uma espécie de texto-tampão, fiz votos para que nós brasileiros não demorássemos demais para nos arrepender do que havíamos acabado de fazer pois a partir dali o caminho de volta ficaria mais difícil a cada dia que passasse. Bem, cá estamos, quatro anos depois, e um primeiro passo em direção ao ar livre, espero que não tarde demais, acabou de ser dado. Por um lado, para ser honesto, não consigo me sentir completamente feliz sabendo que aproximadamente metade do país preferiria ter reeleito o atual presidente. Por outro, não ignoro que o feito do próximo presidente — que até outro dia estava (injustamente) preso — não é de pouca monta, se considerarmos todas as circunstâncias, e as pessoas têm todo o direito de comemorá-lo com alegria e orgulho. O que posso dizer sem titubear é que estou aliviado, muito aliviado: a partir do ano que vem não mais teremos que ler a todo instante o nome desta família de facínoras, não mais teremos que ver suas carrancas grosseiras e perversas estampadas o tempo todo nos sites e nos jornais. Minha saúde psíquica vai melhorar de forma incomensurável e tenho certeza que a de muito mais gente também. Poder voltar a ouvir discos de música brasileira sem ser fulminado por uma tristeza lancinante também é algo que me conforta. Comprei diversos nos últimos tempos, mas não escutei a quase nenhum deles ainda: eram como que apostas desesperadas de que haveria — teria que haver — momentos mais propícios. Vejamos como será este caminho que parece abrir-se timidamente diante de nós, e quantos passos conseguiremos dar por entre seus espinhos.
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