Discos do mês - Maio de 2021
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:
Texto:
Vernon Handley & Royal Philharmonic - Robert Simpson: Symphonies Nos. 1 & 8
Se senso de aventura for algo que orienta e informa seu gosto musical, então bastará a capa deste disco da Hyperion para convencer-lhe a escutá-lo. Na imagem temos a Nebulosa de Órion e no CD duas sinfonias do inglês Robert Simpson, música que, conquanto não seja exatamente do tipo que faz o ouvinte mais concentrado (ou mais chapado) deslocar-se em espírito para outras galáxias, ainda assim proporciona uma boa dose de ação e euforia. A primeira é a minha favorita: explosões de movimento e tensão por entre longos remansos de calmaria, as transições entre uma coisa e outra altamente fluidas e com direito a flautas e instrumentos de sopro diversos que a ignorância me impede de identificar, mas que eu sempre adoro quando aparecem. Flautas, clarinetes e oboés (alguns nomes que conheço), neste contexto de obras orquestrais mais longas, soam muitas vezes como intervenções estranhas e inesperadas, sons que infiltraram-se anonimamente na partitura para fazer vibrar uma camada sonora extra, uma presença adventícia e inquisidora que ninguém parece ter muita convicção de ter sido posta ali por engenho humano. A outra sinfonia presente no disco (No. 8) também é ótima, também ela cheia de contrastes e uma sensação de movimento incansável.
Mogwai - Come on Die Young
Uma das bandas a quem devo creditar o despertar em mim do tal senso de aventura mencionado acima é o Mogwai, isso já tem mais de 20 anos. É uma lembrança querida o deslumbramento que foi a descoberta de seus discos, quando estes ainda não somavam mais do que três ou quatro… Foi algo realmente marcante, a revelação de uma nova música, um novo e mais profundo e caudaloso universo de sons. Claro que hoje a experiência me permite perceber que eles não eram assim tão absolutamente pioneiros e originais quanto me pareceram à época (só bem depois fui descobrir o krautrock), porém Come on Die Young, pude atestar uns dias atrás, continua um disco extraordinário. Aqui, senhoras e senhores, creio que já podemos dizer com segurança que se trata de um legítimo clássico da música elétrica contemporânea.
Erik Wøllo - Silver Beach
Em uma realidade paralela em que Silver Beach não existisse e eu resolvesse aprender a compor e gravar música eletrônica com o objetivo de criar algo que acreditasse faltar no mundo, eu me daria por totalmente bem-sucedido e satisfeito se o resultado do meu trabalho fosse exatamente este disco. Do início ao fim, creio que nem sequer um único milissegundo de Silver Beach poderia ser melhor.
Bob Dylan - Oh Mercy
No relato do mês passado escrevi algo sobre o status de “retorno à boa forma” que Time Out of Mind adquiriu na ocasião de seu lançamento, em 1997. Tendo sido apregoado à exaustão naquela época, este julgamento rapidamente virou senso comum e eu o repeti naquele texto meio que por inércia, sem pensar muito. Mas a verdade é que não concordo muito com ele. Penso que o primeiro grande trabalho de Bob Dylan após a sequência de discos ruins nos anos 80 (alguns até piores do que meramente “ruins”...) veio com Oh Mercy, de 1989, disco que marca também a primeira parceria de Dylan com o produtor Daniel Lanois. É bem verdade que os três álbuns que vieram depois deste (e antes de Time Out of Mind) fizeram o nível de qualidade cair novamente, ainda que não tão drasticamente; em todo o caso, o problema do argumento de Time Out of Mind ser a tal grande volta por cima é que ele desdenha e obscurece Oh Mercy, e isso é uma grande injustiça. É um ótimo disco, eu o adoro quase tanto quanto adoro Time Out of Mind. Dylan soa intenso em canções, em sua maioria, mais densas e arcanas, sua experiência como que em pleno curso de transmutação para alguma outra coisa, alguma nova etapa (que agora sabemos sequer ter sido a última). Os ares de New Orleans, onde deram-se as gravações, parecem também infiltrados aqui e ali, enriquecendo a textura geral do disco com uma boa dose de névoa e de mistério. Dylan e Lanois bem que podiam reeditar a parceria. É notório que a relação entre eles foi turbulenta tanto neste disco quanto em Time Out of Mind, mas Dylan e seus fãs reconhecem que foram os atritos constantes e as concessões de um lado e de outro que fizeram estes discos serem o que são. São duas visões que se complementam, dois conjuntos imensos de virtudes que se embatem mas no fim se conciliam magicamente bem. E embora Dylan tenha acabado de ultrapassar a barreira dos 80 anos, seu Rough and Rowdy Ways do ano passado comprova que sua vida criativa não está esgotada. Torço para que os caminhos de Lanois e Dylan voltem a se cruzar.
Cluster - Sowiesoso
Aquelas bandas alemãs dos anos 70 sabiam ser boas de muitas formas diferentes. Para cada Uriah Heep ou Nazareth que o rock anglófono nos dava, o alemão respondia com um Amon Düül, um Neu!, um Ash Ra Tempel, um Kraftwerk, bandas que fica até difícil citar assim num fôlego só dadas suas tantas direções e diferenças. Certo, certo, estou sendo um injusto com o rock clássico inglês, americano, etc., que não nos deu apenas variações eternas do Led Zeppelin: eles nos deram também o Hawkwind e o Pink Floyd. O ponto é que o fenômeno do rock alemão naquele período é algo realmente impressionante, uma explosão criativa a ser estudada por historiadores e antropólogos do futuro (um músico já fez isto neste livro que infelizmente nunca achei para comprar). Já elenquei por diversas vezes aqui neste blog minhas bandas favoritas vindas lá das terras teutônicas, e a elas acrescento agora o Cluster, que venho escutando com curiosidade cada vez maior. Sowiesoso, embora seja o quarto álbum da banda, foi o primeiro deles que escutei, e lembro de não ter ficado exatamente impressionado durante aquele primeiro contato — acho que cheguei até mesmo a pensar que não haveria um segundo. Terminado o disco, no entanto, logo percebi que um eco de suas faixas parecia prolongar-se em meu cérebro, um rumor cuja tenuidade sugeria que não poderia durar por mais do que algumas poucas horas, mas que não apenas durou como acabou por evoluir para uma espécie de cochicho, uma voz que ficou durante dias me instigando a ouvi-lo novamente, insinuando haver algo precioso escondido em meio ao minimalismo da gravação e à aparente ingenuidade de suas músicas. Cedi ao cochicho e não demorou quase nada para que eu me apaixonasse por Sowiesoso. Uma sensação permanente de efemeridade, que pode afastar a maioria dos ouvintes — a mim decerto quase afastou em definitivo —, é justamente ela a alma e o encanto destas músicas, que soam como que episódios canalizados do sonho de alguém que tira um cochilo depois do almoço, um vizinho anônimo no andar de cima ou de baixo prestes a acordar e fazer o canal interromper-se e a música sumir para sempre… Algo assim frágil, fugidio, mas que por sorte está gravado em disco. Aqueles alemães costumavam ser ruidosos na maior parte do tempo, mas sabiam também criar preciosidades sutis e rarefeitas como esta.
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