Discos do mês - Julho de 2022
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Texto:
Mefisto - Octagram
Demorou, mas cá estou finalmente em plena Temporada Anual do Heavy Metal. Tem dias que passo as horas de trabalho todas ouvindo metal e quando chega a noite meus ouvidos zumbem como se houvesse abelhas aprisionadas em meu cérebro, e de madrugada sonho (segue um exemplo) que na praça aqui em frente de casa acontece um festival em cujo palco alternam-se bandas de black metal e coros gregorianos e cujo público é composto quase que exclusivamente pelos velhinhos e velhinhas que observo caminhando ao redor da praça durante o dia, e todos assistem atentamente aos shows, sentados, os olhos semi-cerrados em sossegada concentração, as mãos entrelaçadas e pousadas sobre o colo. Os detalhes dos sonhos são matéria fascinante, não? Foi logo nos primeiros dias do meu Metalfest ’22 particular que descobri esta incrível banda sueca chamada Mefisto. O verbete na Encyclopaedia Metallum informa que eles existem desde a década de 80, mas, por algum motivo, seus lançamentos só ganham tração a partir de 2014. O apelo irresistível desta banda para mim vem dos vocais e guitarras cavernosos a la Venom e da malignidade kitsch que confirma a origem oitentista do grupo. Ótima banda, ótima descoberta, um começo bastante auspicioso para o inverno que tardou mas chegou.
Kate Bush - Hounds of Love
E então, nos intervalos necessários para expurgar meu crânio das abelhas mencionadas acima, tenho recorrido principalmente aos discos da Kate Bush e do Ash Ra Tempel. Li em algum lugar que Kate Bush voltou às paradas de sucesso (é assim que se fala?) devido ao uso de uma canção sua em não sei que filme ou seriado, e antes que o esnobe em mim fique inconformado pelo fato de ser necessário um produto pop (provavelmente) fútil para que Bush volte a ser reconhecida, antes fico é feliz pela porção de gente que, antes tarde do que nunca, está tendo agora a oportunidade de conhecer essa artista única e magnífica. Este momento do primeiro encontro, o encanto inaugural com determinada forma de arte ou artista, é sempre especial; eu particularmente guardo com carinho na memória muitas das ocasiões em que isto me ocorreu — o choque, o assombro se desdobrando em formas estranhas e desconhecidas, a alegria e a excitação da descoberta. É a vida se expandindo. Hounds of Love, por conta de um desses lapsos que todo colecionador de discos reconhece e se lamenta mas também secreta ou inconscientemente os cultiva (que é para continuar perpetuamente tendo motivos para entrar em lojas de discos), é o único disco de Kate que tenho em minhas estantes, e por conta disso é o que mais tenho escutado. Creio que foi justamente sua faixa de abertura, Running Up that Hill (A Deal with God), a canção utilizada no tal filme ou seriado, e seja lá quem forem os criadores do negócio, deve ser uma gente bastante esperta e/ou de gosto muito refinado pois é de fato uma canção fantástica, muito além de mero artefato de uma época, mesmo considerando seus vícios de produção e sua roupagem escancaradamente oitentista. O disco é excepcional do começo ao fim, e torço para que estas novas gerações cheguem a ter a chance de descobrir o tesouro incomparável que é toda a discografia de Kate Bush: de The Kick Inside a 50 Words for Snow, não há disco seu que seja desprovido de maravilhas.
Ash Ra Tempel - Join Inn
Embora o Tangerine Dream e o Neu! continuem sendo meus alemães loucos favoritos, o Ash Ra Tempel mencionado acima vem galgando degraus rapidamente, já tendo se embolado ali junto com o Cluster, o Can, o Amon Düül, entre outros, no segundo pelotão das minhas preferências. Ora, que bobagem — são todos esses grupos igualmente fantásticos e incomparáveis. A segunda das duas faixas que compõe Join Inn, que o Ash Ra Tempel lançou em 1973, chama-se Jenseits e ilustra uma das muitas facetas do enorme balaio que convencionou-se chamar kosmische Musik ou krautrock: trata-se de um longo sonho distendido, vaporoso, pontuado aqui e ali por frases humanas indistintas, órgão e teclados incertos (a cargo de Klaus Schulze, que fundou o grupo com Manuel Göttsching e Hartmut Enke mas deixou-os logo depois do lançamento deste disco) e um clima alucinógeno geral que poderia sugerir que a banda fosse de alguma forma parceira ou discípula de alguém como, por exemplo, Timothy Leary. O que, de fato, eram. Belíssimo disco que demorei uma enormidade indesculpável para conhecer.
Dälek - Absence
É raro eu me aventurar pelo mundo do rap e do hip-hop. Algum escrúpulo provavelmente justificado mas em cuja observância eu talvez seja rigoroso demais me impede incursões mais frequentes por lá. Mas tenho plena consciência de que a música contemporânea passa obrigatoriamente por estes gêneros nascidos nas periferias e de que há talentos imensos criando beats e escrevendo algumas das mais pertinentes rimas e reflexões sobre muitas das mais importantes questões de nosso tempo. Vez ou outra eu escuto Public Enemy, DJ Shadow, Antipop Consortium e Cypress Hill (a turma bem vestida que vive na capa da Pitchfork – Kanye West, etc. — não creio que esses poderão me interessar algum dia), mas recentemente descobri o Dälek e são os discos desta dupla que tenho colocado para tocar mais frequentemente quando sinto vontade de escutar a este tipo de música. Absence, com suas imensas paredes de som e claustrofobia de música industrial, talvez não seja um disco de hip-hop puro-sangue, porém as batidas — e são elas que, primariamente, sempre me interessaram — estão lá, densas e hipnóticas, e para mim não é surpresa alguma fazerem par perfeito com a sonoridade noise brutal que as acompanham. É um disco espantoso de bom, repleto de uma atmosfera saturada que não raro suplanta aquilo que faz ou fazia a turma do shoegaze e de algumas outras vertentes perimetrais do rock e do metal. Sim, pode botar aí nessa conta My Bloody Valentine, Jesu, Godflesh e tudo mais.
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