Dying Days
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Meus discos preferidos de 2020

Fabricio C. Boppré |
Meus discos preferidos de 2020

Iniciar esta lista foi fácil: em abril do ano passado, durante a terceira ou quarta audição do então recém-lançado último disco do Pearl Jam, criei um arquivo de texto no meu computador e anotei nele Gigaton — era o primeiro candidato à minha lista de preferidos de 2020. (Naquela ocasião anotei também o Birth of Violence, da Chelsea Wolfe, porém este acabei descobrindo depois que havia sido lançado em fins de 2019.) Fechar a lista, por outro lado, foi um tanto difícil, pois nos meses que se seguiram ela cresceu um bocado: foram muitos os discos lançados em 2020 que escutei e adorei. O disco da Grimes, Miss Anthropocene, eu pensei seriamente em não incluir pois não queria macular minha lista com alguém que mantém relações estreitas com um sujeito tão execrável como Elon Musk; acabei deixando-o, no fim das contas, devido aos imensos méritos do álbum e também porque considerei com algum otimismo que o casamento de Grimes com Musk talvez seja apenas um desatino passageiro do qual ela irá em breve se arrepender e corrigir. A moça é bastante jovem, tem ainda sua quota de erros para cometer. Dos bi-campeonatos: minha ídola, a sempre indomável Patricia Kopatchinskaja, aqui está novamente, acompanhada pelo maestro e flautista Giovanni Antonini e seu Il Giardino Armonico em belíssima homenagem à Vivaldi. Como habitualmente acontece nos trabalhos de Kopatchinskaja, a audácia do repertório e um ilimitado senso de aventura são os grandes trunfos de What's Next Vivaldi?. Quem acha música clássica algo assim meio sem graça deve imediatamente ouvir Kopatchinskaja para deixar de ser bocó. O disco de Anna von Hausswolff poderia muito bem ser o meu favorito dentre estes todos, mas talvez seja Lontano, da dupla Anja Lechner e François Couturier, ela celista alemã, ele pianista francês, ambos músicos eruditos treinados em conservatórios e que compartilham de um comovente amor pela liberdade do jazz. Creio que os títulos citados até aqui (descontando a questão extra-musical referente ao disco da Grimes), mais o do Midnight Oil e o do Fleet Foxes, foram unanimidades desta lista desde o momento em que nela foram inscritos; os outros tiveram que ganhar disputas acirradas. Voltando à arena da música clássica: há pouca, bem pouca música mais bonita do que a do adagio inicial da sinfonia de número 49 do grande mestre austríaco Joseph Haydn, e me deixaria bastante contrariado ter que deixar de fora La Passione, disco que traz uma fenomenal versão desta obra sob a regência da maestrina canadense Barbara Hannigan, além de peças de Luigi Nono e Gérard Grisey onde Hannigan não apenas conduz como também canta (a peça de Grisey, com suas percussões e fiapos de sons, é deslumbrante). Também as diabruras das moças do Quatuor Ardeo, que em XIII encaram Black Angels de George Crumb, eu muito lamentaria ter que deixar de fora, mas o disco afinal ganhou seu embate particular e cá ele está entre os meus favoritos de 2020. Por fim, tenho a impressão de que sempre há entre os meus escolhidos ao menos um disco de pianismo — um disco de piano solo, desses em que o instrumento soa múltiplo, vasto, toda uma banda ou orquestra encapsulada em um instrumento só, comandado por um único par de mãos. Tenho um fraco por esses discos (nem de longe algo de que eu me envergonhe, eu, amante de discos de New Age). Da safra 2020, o meu favorito é Phoenix, da romena Maria Radutu. Da música erudita para o barulho anárquico: houve um momento em que na minha relação de candidatos constava apenas um único disco de metal, o fantástico Mestarin Kynsi do Oranssi Pazuzu (como eu adoro bandas que se arremetem sem medo rumo ao desconhecido; como eu adoro a Finlândia!). Essa desproporcionalidade era, evidentemente, injusta e inaceitável. Por sorte, bem no finzinho do ano, calhou de eu escutar Satan Is King, do ACxDC, e esta é, incontornavelmente, uma das músicas de nosso tempo, este tempo de morte, de peste, de bispos da Igreja Universal. O peso e a agressão quase intoleráveis do som do ACxDC é para calejar a mente, treinar o espírito, tornar nosso couro mais preparado para o que está por vir. Vamos precisar… E é isto o que eu tinha para escrever a respeito dos títulos da lista abaixo. Mas finalizarei mencionando alguns que não entraram nela, não por terem perdido disputas com os escolhidos, mas por não caberem, por um motivo ou outro, em uma lista de melhores do ano. Discos ao vivo, compilações, Bob Dylan, Neil Young, coisas do gênero. Dylan & Young: qualquer música que esses dois septuagenários (Dylan este ano torna-se octa) puderem ainda nos oferecer, a esta altura, não é apenas algo a ser escutado, avaliado, vulgarmente incluído ou não numa lista; é, acima de tudo, uma sorte, um raro e enorme privilégio poder ainda recebê-la, algo que iremos muito lamentar e nos tornará ainda menores e mais desamparados quando finalmente dela o tempo nos privar. Adorei o estranho compêndio de Dylan, Rough and Rowdy Ways, e Neil enfim empacotou e lançou Homegrown (coleção antiga de músicas que nós, os Neil-maníacos, já conhecíamos de trás para frente sob diversos outro títulos e formatos desde há muito tempo), além do magnífico segundo volume de sua série Archives. Neil e Dylan serão sempre hors concours em qualquer catalogação de minhas preferências. Não fosse uma compilação, What Is This That Stands Before Me? estaria na lista abaixo; não fossem discos ao vivo — compilações, a seu modo — Tripping with Nils Frahm de Nils Frahm e principalmente Live Drugs do War on Drugs também. Não fossem todos esses discos e toda essa música e seríamos ainda mais desgraçados, estaríamos todos ainda mais profundamente perdidos no fundo da floresta da qual falava o poeta, onde não há alegria e nem bondade. Meus 14 discos favoritos dentre os lançados em 2020, na ordem alfabética dos nomes das bandas ou artistas:

  • ACxDC: Satan Is King
  • Anja Lechner & François Couturier: Lontano
  • Anna von Hausswolff: All Thoughts Fly
  • Barbara Hannigan & Ludwig Orchestra: La Passione
  • Fleet Foxes: Shore
  • Grimes: Miss Anthropocene
  • Maria Radutu: Phoenix
  • Midnight Oil: The Makarrata Project
  • Oranssi Pazuzu: Mestarin Kynsi
  • Patricia Kopatchinskaja, Giovanni Antonini & Il Giardino Armonico: What's Next Vivaldi?
  • Pearl Jam: Gigaton
  • Quatuor Ardeo: XIII
  • Sarah Davachi: Cantus, Descant
  • Shabaka & The Ancestors: We Are Sent Here by History

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