Em memória de Harold Budd (1936—2020)
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

Crédito(s): foto de autor desconhecido, copiada daqui.
Texto:
Este nosso mundo não merece Harold Budd. E assim ele nos deixou na semana passada, vitimado pelo Covid-19, aos 84 anos. Conheci a música de Budd da mesma maneira que, desconfio, muitos outros a conheceram: através do seu trabalho com Brian Eno em Ambient 2: The Plateaux of Mirror, de 1980. Este disco é das coisas mais preciosas que tenho em minha coleção: é um dos meus safe havens, um porto de abrigo seguro ao qual volto frequentemente, sem nunca ficar mais do que um mês sem escutá-lo ao menos uma vez. Uma segunda e igualmente sublime colaboração com Eno, The Pearl, segui-se em 1984 (e ocupa no momento um dos lugares mais altos na minha lista de discos ainda por adquirir). Mas não foi só com Brian Eno que Budd compôs e gravou. Sua discografia é bastante extensa e creio não ter escutado ainda nem um terço dela, e isso de certo modo me conforta: Budd, nosso Debussy moderno, se foi, mas tenho ainda uma porção de música sua para descobrir — ainda que “descobrir" talvez não seja a palavra mais adequada. Sabe-se com antecedência o que irá se escutar em um disco de Harold Budd: amplas e hipnóticas paisagens sonoras, esparsamente habitadas por elementos que parecem deslizar sem pressa alguma, o todo evoluindo languidamente, sendo esta uma transcrição visual que embora pareça-se sobretudo bonita e harmoniosa, na verdade não raro traz consigo — ou ao menos é o que costumam captar meus olhos e ouvidos — pequenos mas evidentes traços discordantes, uma cor dissonante aqui — algo que não se resolve entre o verde e o azul —, ali um fio amargo no fluxo de mansidão, presenças encobertas nos ecos e na ambiência dos sintetizadores…. Coisas desse tipo, muitas vezes esquivas e indefiníveis. Uma arte sutil e refinada, irmanada da de mestres como Morton Feldman e Erik Satie; como bem disse Eno, Harold Budd era “um pintor abstrato na pele de um músico”. (Alex Ross também tem coisas muito bonitas para dizer a seu respeito.) Tendo anunciado sua aposentadoria algumas vezes, Budd sempre voltava atrás e lançava algo novo — há pouco saiu este Another Flower gravado com outro de seus parceiros regulares, Robin Guthrie, ex-Cocteau Twins. Mas este deve ser, afinal, seu derradeiro registro musical. Neste mundo em que música é das pouquíssimas fontes de alegria e conforto que nos restam, perdemos muitíssimo com a partida de Budd.
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