Alguns pensamentos enquanto escuto Bach e leio as notícias
Fabricio C. Boppré |Imagem principal:

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Sobre certos compositores, homens como Bach e Beethoven, eu penso o seguinte: o que eles possuíram, e que tanto destacou-os em meio aos outros, não era somente uma extraordinária vocação e nem mesmo os maiores dos talentos musicais possíveis de se encontrar num ser humano — atributos que eles também possuíram, é claro. O verdadeiro diferencial depositado na alma desses homens, contudo, creio ter sido alguma espécie de amor essencial e absoluto, um amor que não lhes era possível ignorar, silenciar, reservar. Talvez essa palavra, amor, conceito ao mesmo tempo tão consagrado e tão surrado, que pode significar tudo e pode significar nada, talvez não seja ela a mais adequada; deixemos então a coisa dita na forma não especificamente nominada de um sentimento vasto e profundo que transbordava-lhes sob a forma de música, uma música que, pensando bem, de música no sentido consensual da coisa tem muito pouco, uma vez que nos casos de Bach e Beethoven (já que deles comecei falando), chamá-las por esse nome seria rebaixá-las brutalmente, pois também é música aquilo que ouvimos por aí em volumes via de regra mais altos do que o necessário. Sim, é música também isso que ouvimos por aí — ninguém nunca vai me ouvir depreciar música popular alguma — mas o legado que os Bs citados acima nos deixaram não é só isso — é muito mais. A história humana, até aqui, é predominantemente uma história de barbárie e de opressão, mas Bach, Beethoven, Chopin, Mahler, e tantos outros, e também seus intérpretes ao longo dos tempos, e tantos poetas e pintores e etc., eles nos mostram que há algo mais no espírito humano, uma possibilidade de generosidade incondicional, algo em que bem que poderíamos prestar mais atenção e utilizar como inspiração para uma mudança de rumo enquanto ainda é tempo. Por ora, o que acontece, no melhor das vezes (à parte o prazer estético) é isso: o trabalho da vida desses homens, que foi nos revelar o sublime e nos dar motivos plenos e justificados para reverenciar a natureza e o estar vivo, nos deixa apenas cansados e envergonhados pelo vórtice de destruição e intolerância no qual parece que nos empenhamos cada vez mais. Sou levado a pensar que nunca houve um futuro lá muito promissor para a humanidade — em última instância, o universo vai colapsar e tudo, tudo, na acepção mais larga da palavra, vai desaparecer — e mesmo assim eles criaram o que criaram, guiados por algo de essencial, algo irrepresável e universal. Temos urgentemente que assimilar e compartilhar desse sentimento de fraternidade que os levou a nos dar tanto, desse amor profundo, antes que ele se dilua completamente e se torne apenas um conceito utópico distante, coisa de poetas desaparecidos no tempo e budas decorativos sobre a geladeira, e vá tudo por água abaixo.
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