2013
Vicente M. |Imagem principal:

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Sem grandes comentários, talvez seja adequado frisar que 2013 foi marcado pela maior inviabilidade de se investir em discos, seja pelo acirramento do trabalho da Receita ou pelo aumento considerável do custo de frete promovido pela USPS no início do ano passado. Se por um lado foi desanimador (foi), por outro obrigou-me a apurar meu instinto de seleção, bem como de certa forma reviver as épocas em que eu me relacionava com meus discos de forma mais prolongada.
GOG : Ironworks (Utech)
Um "epitáfio para a morte do sonho americano". Sua capa exibe um monolito negro na árdua busca por destaque sobre a plena escuridão na qual está imobilizado, numa perfeita correspondência entre som e imagem que somente um formato como o vinil nos oportuniza. Criado a partir de registros sonoros captados na antiga ferraria de sua família, Michael Bjella ultrapassa os limites de brutas paredes sonoras e se inebria em texturas que remetem à aridez interiorana castigada pelo sol e esquecida no tempo. Entrelaçam-se elementos naturais como manipulação de metais e ruídos de ferramentas com a disposição de bases obscuras e imutáveis, combinadas através de todo o tipo de manipulação sonora. O ouvinte adentra o álbum com alguma expectativa de contornos e resoluções à medida que a trama se sucede mas invariavelmente conclui que a decadência está por todos os lados estabelecendo-se como o tom e destino onipresente.
My Bloody Valentine : m b v (MBV)
Um raro caso onde uma banda cult retorna de um infinito hiato sem avisos, press releases, longas entrevistas ou jogadas de marketing. Eu, você, o crítico musical e os milhares de integrantes de bandas de shoegaze simplesmente acordamos dia 02 de Fevereiro aptos a comprar um novo, inédito disco do My Bloody Valentine. Butcher, Shields, O'Ciosoig e Googe superaram-se em todos os sentidos, lançando um trabalho que ao mesmo tempo reacende praticamente todas as abordagens sonoras da discografia pregressa e até mesmo as contribuições mais recentes (ou menos antigas) de Shields para o Primal Scream. Atendem a todas as expectativas: dos que queriam mais doses da indefectibilidade do quarteto até quem esperava um passo além de Loveless. É um disco que ao invés de apresentar uma série de grandes momentos, torna-se uma homogênea massa sonora cuja qualidade se aprecia do começo ao fim e atesta a importância de uma banda como esta manter-se criativa, revigorando o status quo musical que temos por aí.
Wild Nothing : Empty Estate (Captured Tracks)
Desde seu primeiro álbum, uma fita demo gravada no dormitório de Jack Tatum, o Wild Nothing apresentou inúmeras qualidades que o destacavam entre as bandas do selo nova-iorquino Captured Tracks. O trabalho seguinte, Nocturne, abriu mão de músicas que remetiam à inocência de se fazer música calcada em influências sem qualquer expectativa de acomodar anseios para adentrar um estúdio e apresentar faixas notoriamente imbuídas de reconstruir a música dos anos 80. O EP Empty Estate parte desse último princípio apoderando-se de influências mais referenciais como os massivos sintetizadores que remetem a Brian Eno, o que potencializou o som e deixou um sabor de que eles sabiam o que faziam e onde poderiam chegar. Empty Estate é interessante, principalmente, por ainda conseguir transmitir a imagem de que se faz música livre de conceitos, desprendida, embora comprometida com o que se convencionava como pop.
Okkyung Lee : Ghil (Ideologic Organ)
Discos capazes de subverter conceitos e flertar com estilos aparentemente sem relação com seus compositores são sempre interessantes. Assim como o Phurpa com seus exercícios vocais aproxima-se do drone "pesado" (ou causa o mesmo tipo de repercussão sensorial), a violoncelista Okkyung Lee alcança a obscuridade e a rispidez comuns a discos de metal e noise, embora por meios tão estranhos a esses gêneros e não necessariamente imbuída de tal objetivo. Registrada por um dos midas do noise, Lasse Marhaug, Lee destrincha as possibilidades de seu instrumento e transita por sonoridades ímpares, sempre soando interessante, despertando a expectativa do ouvinte pela próxima manobra ou sentimento de violência e opressão. Consta no release que não houve manipulação sonora seguinte aos registros, o que seria de se esperar de Marhaug, e isso torna o trabalho de Lee em Ghil ainda mais surpreendente.
Whirr : Around (Graveface)
O grande disco do Whirr (que era Whirl mas teve que mudar o nome por forças maiores – seria culpa do Corgan?) é o seu EP de estreia, Distressor, uma verdadeira ode ao exercício de empilhar guitarras e amplificadores testando os limites dos equipamentos e dos protetores auriculares do público. Naquele disco a banda não só definia sua cara como unia a magnitude de uma massa sonora levada ao extremo com a sublime leviandade que apenas os jovens têm. De Distressor para Around o Whirr puxou um pouco o freio, conteve os impulsos mais imediatos e ingressou num mantra onde a tarefa é soar mais sério e compenetrado, por consequência mais "adulto". Seu som tornou-se Irremediavelmente lento e introspectivo, às vezes deixando um pouco de saudade da inquietude do debut. Entretanto, o efeito de uma massiva carga de guitarras e distorções disputando espaço com vocais e melodias angelicais (e normalmente vencendo a disputa) recorre a uma fórmula quase infalível, onde o ouvinte delicia-se com a dualidade brutal-inocente onipresente. Há algum fator imerso na sonoridade da banda que a destaca entre milhares de moleques guitarreiros.
Trepaneringsritualen : The Totality Of Death (Silken Tofu / Malignant)
O projeto de Thomas Martin Ekelund já havia figurado na versão 2012 desta lista, com o infalível Deathward, To The Womb. Seu trabalho não seguiu grandes passos durante 2013, quando resumiu-se em participações isoladas em compilações e edição de cassetes limitados. Mas a coletânea The Totality Of Death veio muito bem a calhar: os dois CDs reúnem composições dos principais álbuns de Thomas, bem como faixas de itens limitados e algumas músicas inéditas. O conjunto reafirma o domínio de Ekelund sobre temas religiosos e místicos, sempre envoltos em penumbra e escuridão, levantando mantras e transes representativos do fim do universo. Uma ótima oportunidade para conhecer o projeto e, para os iniciados, tapar alguns buracos da limitada discografia do Trepaneringsritualen.
Chelsea Wolfe : Pain Is Beauty (Sargent House)
Chelsea Wolfe destacou-se gradualmente desde seus primeiros CD-Rs vendidos em turnês até seu debut, Ἀποκάλυψις, quando obteve razoável reconhecimento em webzines primordialmente ligados a música hype. O destaque pode enganar o leitor acostumado ao surgimento de novas divas do mundinho alternativo pois Chelsea não está diretamente relacionada com as capas de revista pop: ela insiste em caminhar sobre pântanos lamacentos, mansões abandonadas e vulcões em princípio de ebulição. Apoiados em uma estética que remete à desolação de Nico e a obscuridade do heavy metal, seus registros caminham por diversas trilhas e, independente de calcarem-se em sintetizadores, guitarras ou violões acústicos, eles invariavelmente supõem uma cantora que vaga pela escuridão em uma busca infindável por algo perdido. Pain Is Beauty resgata um pouco da verve roqueira subjugada pela predominância acústica de seu disco anterior, porém, ela não se furta de usar batidas eletrônicas e ritmos quase dançantes, tecendo no álbum mais uma faceta de seu habitual desencanto.
ÄÄNIPÄÄ : Through A Pre-Memory (Editions Mego)
Músicos como Stephen O'Malley, que visitou recentemente o Brasil para um show solo, convivem com a árdua tarefa de soarem constantemente relevantes. Ao colaborarem com uma gama tão polarizada de músicos e bandas, caem invariavelmente no pecado de frustrarem atenções que circundam cada nova contribuição, muitas vezes transmitindo uma imagem de que apenas "cumpriam tabela" ou "entraram com o nome". Embora celebrado por Ensemble Pearl, seu recente grupo-projeto psicodélico que remete ao rock japonês, foi em ÄÄNIPÄÄ - uma colaboração com Mika Vainio (do Pansonic), que O'Malley resgatou o alto nível de imersão e relevância a que seu nome remete. Dividido em quatro partes, Through A Pre-Memory revisita praticamente todas as bandeiras pelas quais é comumente incensado: Khanate, KTL e, lógico, Sunn O))). Baseado nessas abordagens, o disco recebe enxurradas de eletrônicas de Vainio, massivamente despejadas em função da perfeita sinergia entre os dois. Nada é gratuito e nada é descartável: desde os versos desencantados de Alan Dubin, passando pelas contribuições eruditas/místicas de Eyvind Kang e revisitando influências como Keiji Haino e Fushitsusha.
Gostaria de ter comentado sobre o novo Arcade Fire mas a Receita não liberou meus LPs até a data dessa publicação e não recorri a MP3s, só de birra. Ainda dentro do conjunto de bandas que "mesmo quando não é o bicho, é bom", o Queens Of The Stone Age lançou um capítulo com ares grandiosos em sua discografia com convidados cujas contribuições foram inversamente proporcionais a seus currículos. É bom mas não o suficiente para figurar na lista: queremos que o Josh passe a adotar o clássico mantra de "menos é mais" se houver um próximo álbum. Sunbather do Deafheaven emplacou várias listas de metal mas os rótulos dos releases e críticas são muito melhores do que o conteúdo de fato: nada muito diferente do que as bandas de black metal americanas fazem e os vocais forçam demais a barra quando combinados com os arranjos melódicos do disco. A comoção coletiva em seu entorno deve ser efeito dessa necessidade insaciável de se encontrar relevância em meio à miríade que se tornou a música nessa era.
Comentários:
O QOTSA tem uma das melhores carreiras que o mainstream nos apresentou nos últimos 15 anos, foram três clássicos seguidos, depois um disco irregular e uma "volta" à boa forma. Seguindo essa lógica parecida por outra grande banda dos anos 90, acho que o ...Like é o "Yield" deles. O disco é bom, tem ao menos três músicas(I Appear Missing, Kalopsia, The Vampyre of Time and Memory - e vamos lá Fairweather Friends) que já são clássicas dentro da discografia, mas parece que falta algo mesmo. Uns urros do Olivieri talvez...
Desde o Lullabies, Sid, eu vejo que eles adotaram (talvez inconscientemente) a dinâmica das Desert Sessions: convidados capitaneando os rumos dos discos e músicas menos elaboradas, mais de bate-pronto. O resultado é igualmente espontâneo e disperso, sendo que ao meu ver foi em Era Vulgaris que essa abordagem melhor funcionou para o QotSA, talvez pela porralouquice daquele disco. ...Like Clockwork tem um quê de megalomania que deixou um cheiro daqueles excessos dos anos 70 (não é coincidência que minha preferida é I Sat By The Ocean), ficando o resultado meio intenso demais, mas de uma forma não natural. Ah, e da próxima vez que o Josh recrutar o Lanegan para fazer 3 ou 4 "Ohohos" eu pessoalmente vou lá partir a cara dele. Desperdício total.
Desses, só ouvi o da Chelsea Wolfe e o do MBV. O resto me deixou curioso; vou correr atrás.
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